Sou contra a ideia de “direitos dos animais”. Afinal, se boi e cachorro fossem pessoas, segue que toda comercialização desses animais deveria ser considerada uma monstruosidade análoga à escravidão ou ao genocídio. Porém, se animais têm direitos, como resolver o fato de que matamos alguns animais para comer? Poderíamos argumentar que animais têm direitos e nós não deveríamos matá-los em hipótese alguma.
Muitos ativistas pelos direitos dos animais pretendem criminalizar o uso dos animais para benefício dos humanos. Transformar num verdadeiro monstro moral quem consome carne. Justo. Para eles, animais possuem, por serem animais, direitos em si. Em virtude dessa dimensão natural, os animais não podem ser adotados como meios para benefícios de seres humanos. Todo ato de comer carne seria um atentado contra a dignidade dos animais.
De qualquer maneira, considero a discussão sobre os direitos dos animais uma discussão de natureza filosófica. Há muitas nuances, reconheço. Mas gostaria de fazer uma provocação filosófica: um cão (ou qualquer outro animal não humano) é um “algo” ou um “alguém”? Para ser um “alguém” (sujeito de direto) não basta levar um “nome” e estabelecer relação afetiva com um “dono”. Considero o seguinte: a relação de propriedade, no contexto entre um dono e seu cão só pode ser unilateral.
Em linhas bastante gerais, só humanos possuem a categoria de “próprios” (por exemplo: eu tenho a consciência de ser eu mesmo), disso não significa que eu sou o proprietário de mim mesmo; sou, na verdade, consciente de que eu sou eu. Um animal não humano, pelo contrário, não manifesta essa experiência de ser ele mesmo. Não é sujeito moral, não tem autonomia, liberdade e capacidade de estabelecer relações intersubjetivas, formar uma comunidade moral e política.
Atribuir respeito aos animais não diminui nossa humanidade. Muito pelo contrário, só nos torna ainda mais humanos
Meu cachorro, Max, que hoje é membro de minha família, só participa dessa relação por vínculos de afetividade, jamais será capaz de desenvolver uma consciência robusta de um membro que se senta à mesa, se reconhece herdeiro de uma determinada cultura, que partilha de sua história, de seus sonhos etc.
Se Max, meu cão, mata o gato do vizinho, quem responderá por esse dano? Eu. E responderei para o meu vizinho. Não o meu cão para uma suposta comunidade política ou jurídica formada por gatos.
Ser capaz de responder pelos próprios atos e escolhas — o que pressupõe um animal racional, livre e sócio de outros animais igualmente racionais, livres e capazes de responder pelos próprios atos e escolhas — é a condição fundamental da realidade do direito. Como não há possibilidade de o ser humano participar de uma comunidade política com outros animais, não há como estabelecer com eles uma relação de direito.
Uma alface, uma mosca, um cão ou um macaco não têm direito à vida, eles apenas vivem. Os danos que um ser humano pode provocar a um animal não são danos morais ou jurídicos, são danos biofísicos.
Por isso, a pergunta correta que devemos sempre fazer a nós mesmos é: até que ponto é moralmente lícito a nós, seres humanos, sermos a causa de danos biofísicos a outros animais em benefício de nós mesmos? Essa é uma reflexão humana, de seres humanos para seres humanos. E, independentemente da resposta, ela não sugere a propriedade de direito e de estatuto moral aos animais. Pelo contrário, ela indica o reconhecimento do limite da nossa própria condição enquanto humanos.
Por definição, ser “alguém” significa ser capaz de desenvolver os atribuídos de “autonomia”, “autoconsciência”, “vontade” (capacidade de deliberar sobre um meios e fins) e, em relação às leis da natureza, ser capaz de “quebrar” essas leis e reconhecer a si mesmo como sujeito de uma cultura, de uma tradição, de uma história.
A experiência pessoal consiste na capacidade de se realizar no autoconhecimento de si, de seus semelhantes e do mundo. Ter memória e expectativas. Mediar essa experiência com racionalidade e imaginação, construir um sistema de crenças e uma linguagem que se expressa por meio de símbolos.
O homem não se limita ao plano físico e biológico, pois está aberto ao plano moral, político e espiritual. Nesse sentido, só o homem consegue ultrapassar sua condição natural, representar na sua consciência a totalidade e desejar compreender o passado, o presente e o futuro. Há uma superioridade qualitativa entre seres humanos e animais que não tem nada a ver com evolução biológica.
Não há nada de obscuro nisso. O homem é o único ser que desenvolve a consciência de participar da realidade e, ao mesmo tempo, tem consciência da própria finitude. A vida humana é uma vida em constante busca pelo sentido. Caso não almejássemos o sentido, muito provavelmente estaríamos uivando uns para os outros. No apelo por sentido, não constatamos a existência como um mero fato biológico, mas como um valor a ser admirado, preservado, compreendido e vivido com dignidade. E o mais impressionante, somos capazes de atribuir valores a outros animais, que são sempre cegos a valores.
Negar a propriedade de “pessoa” aos cães ou aos bois não significa que esses animais não humanos devam sofrer maus-tratos e ser desprezados como lixo. Só uma mente muito perversa chega a esse tipo estúpido de conclusão. Paradoxalmente, só o ser humano é capaz de perversidade, de praticar o mal e a violência contra si mesmo e contra os outros. Atribuir e exigir respeito aos animais não diminui nossa humanidade. Muito pelo contrário, só nos torna ainda mais humanos.