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Datena dá uma cadeirada em Pablo Marçal durante debate realizado pela TV Cultura, no último domingo (15).
Datena dá uma cadeirada em Pablo Marçal durante debate realizado pela TV Cultura, em 15 de setembro.| Foto: TV Cultura/via Fotos Públicas

Declaro, para os devidos fins, que este texto não se trata de uma defesa de Pablo Marçal. Como já escrevi anteriormente sobre ele, meu leitor pode confundir minha intenção aqui. Deixo claro: não simpatizo com as ideias políticas de Marçal. No entanto, não posso deixar de mencionar o quanto considero a reação a ele politicamente interessante. Agora, temos um fato novo: a cadeirada de Datena. Confesso que esse evento me chama a atenção por diversos motivos. O principal é a reflexão sobre a natureza de nossa frágil democracia. Além disso, interessa-me analisar como a violência pode ser, sob certas circunstâncias, justificada. Portanto, hoje, não falarei exatamente sobre Marçal, mas sobre Datena, especialmente a respeito de como ele se apresenta simultaneamente como vítima e defensor da democracia, mas, no fundo, não passa de uma expressão de moralismo arcaico.

Após o episódio, Datena deu entrevistas e lamentou o ocorrido. Em um primeiro momento, ele afirmou a uma jornalista que agiu por impulso e que não conseguiu controlar suas emoções. Em outras ocasiões, justificou sua atitude como uma defesa da honra. No debate da RedeTV, ele afirmou o seguinte:

Para começar, quero destacar que espero, democraticamente, que o respeito pela democracia seja o que paute este debate. Eu não tenho o palavreado político, não sei falar como político, não sei agir como político. Não estou nem um pouco feliz com o que aconteceu no último debate, claro que não. Mas, desde pequeno, meu pai me ensinou que eu teria que honrar a mim mesmo e a minha família até a morte.

Não basta Datena se fazer de vítima e defender a democracia; é preciso também apelar para a pureza de um passado corrompido, da honra maculada

Já em uma sabatina, alegou que:

É claro que aquele episódio foi triste. Fiquei muito machucado, mas, desde criancinha, meu pai me ensinou que eu deveria defender a minha honra e a da minha família. Meu comportamento foi realmente deplorável, não gostei do que fiz, mas não vi outra forma de parar com aqueles ataques mentirosos e, infelizmente, tomei aquela decisão, que não foi correta.

Sejamos sinceros: quando um candidato afirma que não possui “palavreado político”, ele busca se distanciar da imagem negativa associada aos políticos tradicionais. Em outras palavras, ele tenta se identificar com o “cidadão comum”. No entanto, essa postura é, evidentemente, uma estratégia política por si só. Datena é um comunicador profissional e conhece bem essas táticas, mesmo que as empregue de maneira intuitiva e não deliberadamente calculada. Na prática, essa afirmação serve para criar uma narrativa de “antipolítica”, mas é, paradoxalmente, um recurso político. Ou seja, ao criticar a política convencional, ele tenta angariar apoio, utilizando exatamente a mesma lógica de todos os políticos que diz repudiar – principalmente Pablo Marçal.

Outro ponto estratégico foi introduzir o elemento de fragilidade, vulnerabilidade e tradição. A expressão “desde criancinha, meu pai me ensinou” carrega o forte apelo emocional e é um exemplo clássico do uso retórico para criar uma imagem de um homem humilda que respeito à tradição. Ao utilizar o diminutivo “criancinha”, Datena evoca a inocência a fim de estabelecer uma conexão empática com o público. O diminutivo, em particular, suaviza a narrativa e remete a uma fase da vida em que os valores aprendidos são vistos como puros e desinteressados, antes de qualquer influência corruptora do mundo adulto.

Trata-se de uma tentativa de desarmar o ouvinte ao apresentar o comportamento violento como resultado de uma formação pessoal pautada em valores tradicionais que, na percepção dele, são inquestionáveis, como a defesa da honra e da família. Dessa forma, a expressão cumpre uma função dupla: ao mesmo tempo em que justifica a violência com base em uma “moral antiga” e pessoal, procura suavizar a gravidade do ato e, claro, desviar a discussão do foco no comportamento agressivo para um campo mais subjetivo e emocional. Não basta se fazer de vítima e defender a democracia; é preciso também apelar para a pureza de um passado corrompido, da honra maculada.

É claro que apelar para o aprendizado paterno é uma forma de desviar a responsabilidade individual. Datena transfere a origem da ação para a influência de uma figura de autoridade e referência de valores morais tradicionais. Ao incorporar essas memórias de infância, ele utiliza uma retórica que visa humanizá-lo como vítima, aproximando-o do eleitor comum que valoriza esses laços familiares e tradições de uma moralidade arcaica. Isso se conecta diretamente com a imagem do “homem que não leva desaforo para casa”, reforçando a ideia de que sua reação foi um impulso natural e quase inevitável, fruto de uma educação rígida baseada em princípios de honra e respeito. É o arquétipo da masculinidade que responde a qualquer afronta com veemência. Mas, como o ataque foi contra Pablo Marçal, obviamente a imprensa progressista não rasgou as vestes.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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