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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Desafios filosóficos da liberdade

(Foto: BigStock)

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Confesso que nunca tive tendências suicidas. Embora o tema sempre tenha me fascinado, filosoficamente falando. Dos autores que meditaram o assunto, li Albert Camus, Ernest Becker, Miguel de Unamuno, Michele F. Sciacca e tantos outros. Incluiria o Fedon, o importante diálogo de Platão sobre a imortalidade da alma. Sim, aquele diálogo que narra a dramática morte de Sócrates.

Recentemente, li o livreto de Stig Dagerman, que foi publicado pela editora Âyiné: A nossa necessidade de consolação. Em Stig Dagerman, a tensão do suicídio é meditada em seu grau máximo, não apenas na forma literária, como experiência filosófica existencial. Há uma boa dosagem entre o poeta e o filosófico; o romântico e o metafísico; o eu lírico e o eu existencial.

De fato, seu texto é um manifesto poético, mas que não pode ser lido apenas como consolo literário. A fragilidade e a grandeza da condição humana são desnuadas; o que o aproxima da reflexão filosófica, de uma tradição que vai do estoicismo ao existencialismo.

Para o exercício romântico, o refúgio da morte não passa de um meio, o instrumento definitivo de ruptura e superação, para qualquer outro fim. Vingança, medo e desespero diante da dor encontrarão repouso eterno no fundo do poço. Na dissolução desta vida, finita e frágil ainda existe a expectativas de alguma vida eterna, no além deste vale de lágrimas.

O peso da humilhação desta vida faz valer a pena saltar para dentro do abismo, ser devorado por ele. No entanto, que tipo de liberdade poderia oferecer o suicídio romântico senão a repugnante ilusão de alívio? Por que continuar depositando esperanças de que, ao experimentar o mundo pelo lado de dentro, a harmonia existencial será reestabelecida?

Para ser preciso com os termos, trata-se da última tentativa de encontrar a condição consoladora. Por esta perspectiva, todo cálculo do suicídio romântico contém, de forma tácita, o desejo primordial de existir: pôr fim à própria vida consiste em maximizar a experiência de alívio em detrimento de tantos e tão absurdos sofrimentos desta vida empírica.

Ler Stig Dagerman é poder ir além dessa luta existencial de existir. Não à toa o autor foi chamado de “Camus Sueco”. Camus é o autor do Mito de Sísifo, o filósofo do séc. 20 que colocou o suicídio em primeiro plano de suas reflexões filosóficas não para legitimar o absurdo da existência, mas pare negá-lo, com toda sua destreza estética. Revolta nunca é política antes de ser metafísica. O consolo em Camus é a solidariedade. Em Dagerman, só há consolo na liberdade.

Não se trata, portanto, de encontrar um meio para pôr fim ao absurdo dessa vida. As reflexões metafísicas aqui se referem à mais elevada consciência de si: a própria morte como a ousadia de ser fim em si. E ao contrário de Camus, em Dagerman todas as contradições são resolvidas quando ele toma consciência e compreende “que o suicídio é a única prova de liberdade humana”. Também não ousaria ir tão longe. Comove-me o exercício filosófico.

Nada de exigências fora dos limites da liberdade, nenhuma expectativa depositada na transcendência. A propósito, não é a aposta na transcendência que salva Sócrates de se lançar ao abismo e se tornar o primeiro mártir da filosofia? Se a alma é imortal e a vida não é uma propriedade dos deuses, tirar a própria vida não é uma opção. Sócrates foi injustamente condenado, a despeito de a morte ter sido a musa inspiradora do filósofo e a filosofia uma preparação para morrer...

Dagerman impõe seu critério e faz pelo menos uma exigência: “a verdadeira consolação, pois, na verdade, para mim não existe a não ser uma, a de ser um homem livre, um indivíduo inviolável, uma pessoa soberana dentro dos meus limites”.

Tive honra de escrever o posfácio do livro, e posso garantir uma coisa: nenhum poeta-metafísico ousou ir tão longe. Dagerman não herdou, como ele mesmo diz, “nem um ponto fixo na terra que pudesse chamar a atenção de um Deus”. Portanto, quando resolve pôr fim à própria existência, não faz esperando nada senão a realização da liberdade.

Ele ama, assim, o mistério que é o nada, e ama simplesmente porque pode suportar o peso desse amor sem pretensão de ser correspondido. Stig Dagerman abraça a morte a fim de se autoafirmar como realização da liberdade incondicional. É o homem medindo-se pela pretensão do absoluto e da gloriosa vontade de se tornar, para a si mesmo, seu próprio deus miserável.

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