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Detalhe de "São Francisco em Oração", de Cigoli.
Detalhe de “São Francisco em Oração”, de Cigoli.| Foto: Wikimedia Commons

Gosto muito de conversar com ateus, mesmo os estrategicamente mais sujos, mesmo os intelectualmente mais ingênuos. Porém, nada como os de inteligência desafiadora e argumentação demolidora. Minha vida toda foi vivida nessa tensão entre a existência ou não de Deus. Desde garoto, sou perturbado por dois temas filosóficos: Deus e a Morte. Duas perguntas sempre me moveram: “Quem é Deus?” e “Por que morremos?”

Considero de uma estupidez descabida a ideia de que os religiosos não duvidam de suas crenças em Deus. Fé em Deus também nasce da dúvida. Desde que me converti, o que mais fiz foi duvidar da minha própria fé em Deus. Aprendi com alguns santos. Quem acha que um religioso nunca duvidou de sua fé é porque nunca leu a confissão de um religioso. A inquietação é a essência da fé.

“Dá-me, Senhor, saber e compreender o que vem primeiro: o invocar-Te? Começar por conhecer-Te ou por invocar-Te? Mas quem Te invocará sem Te conhecer? Por ignorância, poderá invocar alguém em lugar de outro. Será que é melhor Seres invocado, para Seres conhecido? Como, porém, invocarão Aquele em que não creem? Ou como terão fé, sem anunciante?”, já diz Santo Agostinho.

Quem acha que um religioso nunca duvidou de sua fé é porque nunca leu a confissão de um religioso. A inquietação é a essência da fé

Aprendi a duvidar da minha fé com os religiosos. Um homem verdadeiramente religioso não vive sua religiosidade como alguém que acaba de aprender o alfabeto no parquinho; um homem religioso é aquele que experimenta a dúvida todos os dias porque sabe que sua fé não tem sentido se não for vivida em cima do desesperador fio da navalha entre Salvação ou Desgraça, Glória ou Absurdo.

Não cabe a nós decidir a própria salvação. Quem sabe e quem pode se salvar?

Penso no homem de fé madura não como um cavaleiro templário, mas como a criança que ainda chora ao pé da cama por causa do medo de escuro. Homem forte não é o que superou o medo da morte; esse é o mentiroso. O ateu indiferente, muitas vezes, diz que o religioso é um fraco que cria uma zona de conforto para enfrentar o medo da morte. Bobagem. Por isso sempre simpatizei com o ateu niilista, suicida.

Meu fantasma interior, esse que nós apelidamos de alter ego, é ateu. Todos os dias ele diz baixinho ao pé do meu tormento e no silêncio da minha interioridade que eu preciso ser forte, corajoso e não ter medo da morte. Pensando bem, parece mais um coaching do que um ateu desafiador. O maior inimigo da verdadeira fé não deve ser um coaching vendendo autoajuda e coragem.

Para ele, eu cito o belíssimo poema de Manuel de Barros Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo

Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

A coragem não tem nada a ver com superação, virilidade, prazeres e conquistas; muito pelo contrário, só tem a ver com silêncio, miséria e abandono. Refiro-me à coragem da fé. Só quem já chorou de joelhos ao pé cama começou a compreender, muito ligeiramente, o que se passa no interior da alma de um religioso em oração.

Não conheço um religioso que, ao chorar ao pé da cama um dia, tenha rezado para o Deus hipótese

Continua Santo Agostinho: “Ai de mim! Dize-me, por compaixão, Senhor meu Deus, o que és Tu pra mim? Dize à minha alma: Sou tua salvação. Dize de forma a que ela Te escute. Os ouvidos do meu coração estão diante de Ti, Senhor. Abre-os e dize à minha alma: Sou tua salvação. Correrei atrás destas palavras e segurar-Te-ei. Não escondas de mim Tua face. Morra eu, para que não morra, e assim possa contemplá-La!”

Toda vez que converso com um ateu e o vejo afirmar que “para a ciência, Deus é uma hipótese desnecessária para explicar o mundo!”, entro no comovente dilema: abraço ou desprezo? O coaching eu desprezo.

O erro do meu fantasma interior é achar que “Deus um dia serviu como hipótese de explicação para o mundo”. Não conheço um religioso que, ao chorar ao pé da cama um dia, tenha rezado para esse Deus aí, o Deus hipótese. Tente encontrar um único santo que um dia acreditou e, ao pé da cruz, rezou para uma hipótese. O Deus dos religiosos não é uma hipótese para explicar cientificamente o mundo. O Deus de um homem religioso é o Deus que Salva, Redime e Ama, pois é um Deus que chora conosco na escuridão, é Deus dos fracos.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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