Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

A direita que não teme dizer seu nome

Retrato de Edmund Burke. Foto: Wikimedia Commons (Foto: )

Há uns 12 anos, quando comecei a me interessar pelo movimento conservador, que logo começou a despontar aqui no Brasil, minha primeira atitude foi a de formar uma pequena biblioteca e ler o máximo de autores possíveis ligados à história do conservadorismo. Para minha surpresa, descobri uma fonte inesgotável de boas ideias e o convite para não se deixar seduzir pelas promessas de que os dramas humanos são resolvidos pela política. Pensar a política, com seriedade, é também saber se proteger de seus encantos.

Diferentemente do atual entusiasmo que intoxica a atmosfera do debate público e reduz cada detalhe da vida a um meme que representa o lado ideológico na disputa ideológica pelo poder, a tradição filosófica conservadora continua sendo um oásis de grandes ideias filosóficas. Não é porque virou modinha falar de conservadorismo que você deve repudiá-lo; pois não há nada mais contraditório ao conservadorismo do que ter se tornado a moda política de uma direita que não tema dizer seu nome.

O primeiro filósofo que me causou impacto foi o americano Irving Babbit com o livro Democracia e Liderança, uma obra poderosa, principalmente os capítulos sobre Rousseau e Burke, que tratam das noções de imaginação idílica e da imaginação moral. Em seguida, li num fôlego só o The Closing of the American Mind, do Allan Bloom. O clássico livro do Allan Bloom trata do declínio da cultura e como a educação superior é responsável por isso. Depois vieram as grandes obras de Russell Kirk: The Conservative Mind e A Era T.S. Eliot e Edmund Burke – Redescobrindo um gênio. A propósito, em 2016, escolhi a obra publicada pela É-Realizações como o livro do ano; para a ocasião, escrevi uma pequena resenha:

Há pelo menos dois níveis fundamentais em que o conservadorismo, crescente no Brasil, vem se desenvolvendo nos últimos anos: o primeiro, mais visível, é claramente militante e ideológico. Na verdade, um fenômeno político. Nesse sentido, esse conservadorismo surge a partir de uma postura triunfalista, desinteressada das delicadas discussões sobre a natureza humana, sobre o alcance do conhecimento e sobre os limites da ação do Estado. Como toda ideologia, é um pensamento total e inequívoco que precede a realidade. De antemão, faz guerra contra todo e qualquer vulto que ouse ameaçar o conjunto de crenças antirrevolucionárias preestabelecidas como verdadeiras, isto é, reacionárias. Por isso, trata-se de uma atitude barulhenta e com data de validade: é natimorto — como toda hybris política

Já o segundo nível de desenvolvimento da disposição conservadora, embora não faça tanto alarde, é mais consistente. Não se encerra como mais um fenômeno de poder com chave invertida. Na verdade, sua inversão é trocar o agitado palavrório da reação desmedida pelo prudente freio da ação refletida. Finca suas raízes no matrimônio inviolável entre o pensar e o agir e não deposita na política todas as suas esperanças. Busca a simetria substancial entre a justa medida da alma e a medida da justiça na sociedade: a conquista das coisas permanentes. É cético quanto à natureza humana, e compreende as pretensões de verdades políticas de gabinete como tremendamente perigosas.

Enfim, desde o início busquei uma relação mais teórica com esse movimento. Penso que o atual conservadorismo político, agora no poder, subverte a possibilidade de uma ordem social conservadora, uma vez que concebe a política como fim em si mesmo e não como um mero meio. Os conservadores governistas desejam coincidir Estado, Nação e Sociedade. Para isso, buscam destruir todas as mediações institucionais entre o poder e a soberania popular. Trata-se, sendo assim, de um ato revolucionário que pretende realizar a autodeterminação do povo com ajuda de uma vanguarda ideológica — a casta dos eleitos que se vê no centro de uma batalha espiritual contra a decadência.

Se você busca um pouco de saúde mental, é preciso tomar o prudente distanciamento de toda e qualquer promessa messiânica de militâncias político-teológicas. Os resultados dessa forma de pensar eu apresentei no meu livro de estreia publicado pela editora Record chamado A imaginação Totalitária — os perigos da política como esperança.

Expliquei meus objetivos em uma resenha sobre o livro do Michael Oakeshott, A Política da Fé e a Política do Ceticismo. No meu livro, cujo subtítulo me inspirei no livro do Oakeshott, eu procurei compreender

a forma mental de uma disposição antipolítica, já que trazia para o núcleo da crença política a pretensão de verdades absolutas e receitas abstratas para construção de mundo melhor, porém a consequência inevitável é o perturbador uso da violência para tal fim.

Naquele contexto de ceticismo, os meus argumentos se moviam no intuito de defender que toda ação política precisa, primeiro, reconhecer limites humanos concretos cujo fundamento é uma experiência pré-teórica incontestável: quando se é mortal, é preciso pensar e agir como mortal. Já que a política como esperança é uma forma sorrateira de declarar ódio profundo à nossa natureza mortal. Em resumo: não aceitar o fato de sermos seres imperfeitos, finitos e limitados. O desejo último da política como esperança é o de glorificar o poder do Estado como detentor do monopólio não do uso legítimo da violência, mas do monopólio simbólico de uma verdade absoluta.

Contra essa disposição, prefiro evocar uma passagem do Breviário da Decomposição, do filósofo Emil Cioran, que eu, graças a Deus, li muito na adolescência. Cioran está refletindo acerca da genealogia do fanatismo:

Idólatras por instinto, convertemos em incondicionados os objetos de nossos sonhos e de nossos interesses. A história não passa de um desfile de falsos Absolutos, uma sucessão de templos elevados a pretextos, um aviltamento do espírito ante o Improvável. Mesmo quando se afasta da religião, o homem permanece submetido a ela; esgotando-se em forjar simulacros de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência e o ridículo. Sua capacidade de adorar é responsável por todos os seus crimes.

Também aprendi em Nostalgia do Absoluto, de George Steiner — um autor que precisa sempre ser sempre lido por aqueles que se dizer conservadores —, que as tentativas de preencher o vácuo da fé pessoal e o grande vazio deixado pela erosão da religião criaram “mitologias políticas”. E uma das mais poderosas formas de mitologia política consiste na substituição completa da vida pessoal pela vida política, já que está destrói as sagradas fronteiras que separam o público do privado.

Os atuais conservadores revolucionários não escondem a experiência de “substituição nostálgica”. A visão de mundo conservadora, que poderia ajudar a criar freios contra toda forma idílica de paixões mobilizadoras, transformou-se no argumento mais tosco de “necessidade” para fazer valer as novas razões do Estado de uma grandiosa Nação guiada por uma “pedra angular”. O conservadorismo revolucionário precisa do caos, ou seja, precisa fazer tábula rasa das instituições e da história. Porém, para um conservador moderado, o problema em política ainda consiste em conseguir sobreviver diante daqueles cujo método é destruir para purificar.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros