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Detalhe do tríptico “O Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymus Bosch.
Detalhe do tríptico “O Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymus Bosch.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Se por construção social nos referimos a um conceito sociológico usado para abordar como certas noções de identidade e comportamentos são criados, instituídos e aceitos pelas sociedades ao longo do tempo, então defendo que homem e mulher não são construções sociais. Na verdade, a cultura progressista contemporânea usa a expressão “construção social” para mostrar que o gênero, e não a anatomia sexual biológica, varia conforme os valores sociais. Em outras palavras, não são inerentes em nós, mas são justamente construídos pelas interações sociais e culturais e, por isso, mudam significativamente entre diferentes culturas e períodos históricos.

Para essa concepção de homem e mulher, há uma distinção fundamental entre sexo e gênero. “Sexo” diz respeito às características biológicas e físicas inatas, como genitália, cromossomos e hormônios, que classificam os indivíduos como masculino, feminino e, na gramática atual, intersexo. Segundo essa perspectiva, tais características são naturais e tendem a ser consistentes em todas as culturas e períodos históricos. Por outro lado, “gênero” é um conceito sociocultural que se refere a papéis sociais, comportamentos e expectativas que a sociedade considera apropriados para homens e mulheres. Nesse caso, o gênero é aprendido pelo processo de socialização e é influenciado pelo contexto cultural; o sexo, pela nossa condição biológica.

A Doutrina Social da Igreja se baseia em um humanismo integral e no princípio personalista, opondo-se às distinções (que considero arbitrárias) entre o corpo biológico e a experiência do corpo vivido, tanto psicológica quanto socialmente

Consequentemente, as categorias de sexo são geralmente vistas como fixas, e a identidade de gênero é mais fluida. O que permitiria uma diversidade de expressões que incluem não apenas “homem” e “mulher”, mas também identidades como “não binário” e genderqueer – e todas as letras do alfabeto.

Entretanto, há um problema interessante na compreensão do gênero como uma construção social. Isso implica que tal concepção de ser humano proposta é não apenas uma construção social, mas uma construção teórica sujeita a variar conforme os interesses (incluindo o político) de diferentes grupos. Assim, a teoria da construção social do gênero está sujeita a agendas políticas, econômicas e sociais de grupos ideologicamente comprometidos, que influenciam como o gênero deve ser debatido e ensinado por uma agenda que toma isso como uma verdade absoluta e inquestionável. Esse é o preço de ver tudo pela ótica do conflito e das relações de poder. Se você é contra, deve ser rechaçado do debate como potencial ameaça.

Partindo desse impasse na teoria social do gênero, gostaria de contrastar essa concepção com a Doutrina Social da Igreja, que estou apresentando nos últimos artigos. Principalmente porque a DSI se baseia em um humanismo integral e no princípio personalista, opondo-se às distinções (que considero arbitrárias) entre o corpo biológico e a experiência do corpo vivido, tanto psicológica quanto socialmente.

Alguém poderia argumentar, e aceito de bom grado o argumento, que a Doutrina Social da Igreja também seria uma construção social. Não vejo problemas nisso, pois é crucial reconhecer que, embora influenciada por contextos históricos e culturais, a DSI busca ultrapassar essas limitações a partir de princípios que visam à universalidade e à constância. Esses princípios estão firmemente enraizados e sustentados em uma visão teológica, em contraste com a base secular da teoria rival. Como resolver isso?

Frente a essas duas perspectivas, escolher entre uma abordagem orientada pela fé cristã e uma secular implica optar por valores e fundamentos distintos, cada quais com suas implicações para a sociedade e o indivíduo. Obviamente, não considero a questão da fé uma escolha individual, de foro íntimo, mas estou partindo do próprio princípio da teoria secular liberal como fundamento: se este princípio valoriza a autonomia individual e a liberdade de crença, justificando assim a existência de múltiplas perspectivas sobre questões de gênero, então isso se aplica igualmente para quem adota uma posição teórica específica, mesmo que fundamentada numa concepção teológica cristã.

Na semana que vem, apresentarei como a Doutrina Social da Igreja compreende as noções de homem e mulher segundo a compreensão bíblica fundamental de que “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”.

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