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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Doutrina Social da Igreja

As âncoras lançadas no céu

Imagem ilustrativa. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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“...quando a liberdade é exercida de forma egoísta, sem consideração pelos limites e responsabilidades intrínsecas, ela perde seu verdadeiro sentido e se transforma em uma força destrutiva. Então, quais seriam esses limites?”

Foi com essa pergunta que encerrei o texto da semana passada. Abordava o tema da liberdade à luz da Doutrina Social da Igreja Católica. Hoje, portanto, gostaria de propor uma reflexão acerca desses limites. Essa nossa série visa comentar os pilares da vida social para a Igreja Católica. Há um duplo objetivo: primeiro, contrastar a Doutrina Social católica com doutrinas sociais seculares, como o liberalismo e o socialismo. Segundo, demonstrar que os católicos possuem uma doutrina social mais robusta não apenas socialmente, como também filosoficamente. Insisto num ponto fundamental: a fé não se reduz a uma experiência privada subjetiva, mas se manifesta de forma comunitária e objetiva, enraizada em uma tradição e nos ensinamentos que moldam a vida e a identidade de uma comunidade de crentes. Ou seja, há uma dimensão social e histórica da fé.

No Compêndio, no tópico sobre o vínculo da liberdade com a verdade e a lei natural, a Igreja expressa o seguinte:

A verdade sobre o bem e o mal é reconhecida prática e concretamente pelo juízo da consciência, o qual leva a assumir a responsabilidade do bem realizado e do mal cometido: ‘Desta forma, no juízo prático da consciência, que impõe à pessoa a obrigação de cumprir um determinado ato, revela-se o vínculo da liberdade com a verdade. Precisamente por isso a consciência se exprime com atos de ‘juízo’ que refletem a verdade do bem, e não com ‘decisões’ arbitrárias. E a maturidade e responsabilidade daqueles juízos – e, em definitivo, do homem que é o seu sujeito – medem-se, não pela libertação da consciência da verdade objetiva em favor de uma suposta autonomia das próprias decisões, mas, ao contrário, por uma procura insistente da verdade deixando-se guiar por ela no agir’.”

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Essa passagem do Compêndio da Doutrina Social da Igreja sublinha a relação intrínseca entre liberdade, verdade e a consciência moral. Ao afirmar que o juízo da consciência revela o vínculo da liberdade com a verdade, a Igreja sustenta que a liberdade autêntica não se manifesta em decisões puramente subjetivas, mas em atos que refletem a verdade do bem. Este juízo da consciência, que impõe obrigações morais, demonstra que a liberdade humana deve ser orientada por um compromisso constante com a verdade objetiva. Nada mais contrário à doutrina do liberalismo.

No liberalismo, a liberdade é entendida como a ausência de restrições externas. Ou seja, os indivíduos podem fazer escolhas baseadas em suas próprias preferências e interesses subjetivos, independentemente de qualquer outro fundamento a não ser a própria subjetividade. A soberania é a própria autonomia da vontade. Esse contraste revela uma diferença fundamental: para o cristianismo católico, a verdadeira liberdade é uma prática moral guiada pela verdade objetiva e pela responsabilidade, enquanto para o liberalismo a liberdade é a capacidade de autodeterminação individual.

Filosoficamente, a ética cristã católica é objetiva, em que o bem e o mal são realidades reconhecíveis pela razão humana mediante a consciência. A consciência é vista não como um simples arbítrio individual, mas como um juiz que deve ser educado e iluminado pela verdade. Em outras palavras, a consciência e a vontade individual não fundam a verdade e o bem.

A responsabilidade moral, portanto, é inseparável do conhecimento da verdade, e a liberdade genuína é aquela que se conforma à verdade moral. Esta visão contrasta com teorias relativistas ou subjetivistas que postulam a moralidade como uma construção pessoal ou cultural. Para a Igreja Católica, a verdade moral é universal e deve guiar as decisões e ações humanas para a realização do bem comum e a dignidade humana.

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Com relação à lei natural objetiva, a Doutrina Social católica defende o seguinte: A lei moral natural, infusa por Deus e própria da razão humana, unifica direitos e deveres, expressando a dignidade intrínseca e universal da pessoa humana.

Primeiro, o que significa dizer que é infusa por Deus? Esta lei moral natural é descrita como a “luz do intelecto infusa por Deus em nós”, destacando a origem divina e a participação na lei eterna de Deus, que é identificada com o próprio Deus. Filosoficamente, isso implica que a liberdade humana não é um conceito autônomo ou independente, mas deve ser orientada e limitada pela moralidade objetiva e pela ordem divina.

Em segundo lugar, ela é “natural” no sentido de que é promulgada pela própria natureza humana. Esta definição enfatiza que a lei natural é universal, aplicando-se a todos os seres humanos pelo simples fato de serem racionais. Ou seja, a moralidade não é uma construção cultural ou subjetiva, mas uma verdade objetiva acessível a todos pela razão e por serem racionais. A universalidade da lei natural reflete uma ordem moral que transcende diferenças individuais e culturais, fundamentando-se na capacidade racional inerente a todos os seres humanos.

Por fim, isso significa que a dignidade humana e os direitos fundamentais não são concedidos por convenções sociais ou governos. Ao contrário, são inerentes à própria natureza humana, reconhecidos e afirmados pela lei natural, cujo alicerce é objetivamente Deus. O homem não é a raiz de si mesmo; portanto, suas âncoras devem ser lançadas no céu.

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