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Um pouco antes de Pilatos sentenciar o flagelo e a crucificação, ele perguntou a Jesus: “Tu és o rei dos judeus?”. Jesus — que provavelmente exercia algum fascínio no governador da Judeia, província do Império Romano — indagou: “De ti próprio o dizes ou outros to disseram sobre mim?”. Rebate Pilatos: “Achas que sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes entregaram-te a mim. O que fizeste?”. Atenção para esta resposta de Jesus, pois estamos diante de uma das mais importantes passagens sobre teologia política já escrita: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus. Agora: o meu reino não é daqui”.

Por que a importância dessas palavras? Se o verdadeiro reino não pode ser instituído neste mundo por meros mortais deste mundo, como anuncia Jesus, toda tentativa de encontrar o final feliz na história ou o oásis nesta terra — para lembrar dos versos de Manuel Bandeira — “De desalento… de desencanto…”, mediante a política, perde o significado religioso. Embora tenha transformado toda ordem social e histórica com sua mensagem, Jesus dessacralizou a política.

Nenhum político, por mais carismático e eloquente; nenhum partido, por mais estruturado e eficiente; nenhuma nação, por mais próspera e grandiosa; e nenhuma ideologia, por mais firme e justa, poderão ser aclamados como o Salvador do mundo e cultuados como aquele ou aquilo que traz o reino de paz, redenção e prosperidade. Por mais admirável e virtuoso, não há estadista capaz de saciar as esperanças e os anseios da humanidade. Para ser sincero, nenhum homem tem esse poder. Por outras palavras: não há mito político pra eu chamar de meu depois que Cristo despolitizou a religião.

Portanto, do ponto de vista teológico agora distinto do político, só Jesus Cristo poderia responder desta forma a Pilatos: “Tu dizes que sou rei. Eu nasci para isso e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade. Todo aquele cujo ser é da verdade ouve a minha voz”. Para o fiel, que largou as pedras para serem atiradas em prostitutas bonitas (lembrei do Bandeira mais uma vez), Deus trouxe a verdade para perto dos homens quando se fez carne e habitou entre nós. Nenhum homem poderia, pode ou poderá ser a medida da verdade exceto Jesus, o filho do Deus vivo cujo reino não é daqui.

Depois da Paixão, Morte e Ressurreição do Cristo, qualquer culto a líderes políticos, qualquer pretensão revolucionária ou contrarrevolucionária e qualquer ação libertadora que não seja a revolução para nos libertar dos nossos pecados não passam de vergonhosas besteiras. Afinal, Jesus foi açoitado, crucificado, morto e sepultado. Para cumprir a promessa, desceu à mansão dos mortos e ressuscitou ao terceiro dia. Hoje, amanhã e sempre, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso. Não se trata de qualquer vítima traída por um punhado de moedas ou idolatrado por uma dúzia de puxa-sacos. Há propósito escatológico, mistério para o qual — como diz Agostinho — não se deve exercer uma curiosidade vã e perecedoura, mas ascender rumo àquilo que é imortal e permanente.

Bom — algum leitor poderá indagar e eu não lhe tiro a razão —, e quem não acredita em Deus? Vão ser amigos do rei noutro lugar, Pasárgada também não é daqui; e fiquei sabendo que lá a existência é uma aventura, com alcaloide à vontade e outras delícias.

Agora tente levar a sério esta inscrição do ano 9 a.C. procedente de um culto ao imperador: “Ó diviníssimo César… Devemos considerá-lo igual ao Princípio de todas as coisas…; pois quando tudo caía na desordem e pendia para a dissolução, ele restabeleceu a ordem e deu ao mundo inteiro uma nova aura; César… a boa fortuna comum a todos… o início da vida e da vitalidade… César realizou todas as boas esperanças de tempos anteriores ao superar todos os benfeitores que o precederam”. Simplesmente impossível — até o filósofo Sêneca e sua esposa cortaram os pulsos.

Pôncio Pilatos, antes de ir ao povo para dizer que não encontrou “qualquer culpa” em Jesus, formula a pergunta de todas as perguntas: “O que é a verdade?”. Jesus não responde — pelo menos diretamente. Pilatos demonstra dúvidas sinceras. A verdade é tão difícil. Como julgar? Então, teve a infeliz ideia de — como se diz hoje — jogar pra torcida. Na festa da Páscoa, costumava-se libertar um prisioneiro segundo a vontade do povo. O populismo é bênção sem a devida graça, promete a glória e entrega ruínas. “Quereis que vos liberte o rei dos judeus?”. Para surpresa e infelicidade de Pilatos, a multidão berrava: “Esse não! Barrabás!”.

Diferentemente do que algumas interpretações sugerem, Barrabás não foi simples bandido, ladrão comum ou chefe de quadrilha. Ao escolher este e não Jesus, a multidão optava também por uma figura messiânica, porém um libertador disposto a sujar as mãos e que comandasse uma revolta concreta contra o domínio efetivo dos romanos como promessa de esperança política para este mundo. Entre Jesus e Barrabás há um confronto de visões salvadoras que persiste; e infeliz daquele que não souber fazer a sua escolha.

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