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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Ele mostrou que governar é servir

Crianças assistem enquanto os fiéis participam da missa da meia-noite na véspera de Natal na Igreja Católica Romana de São José, na capital egípcia Cairo, no distrito central da cidade, em 24 de dezembro de 2019: Egito é um dos países onde os cristão são mais perseguidos por causa de sua fé (Foto: MOHAMED EL-SHAHED/AFP or licensors)

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O olhar atento dirigido aos pobres, aos excluídos, às minorias e aos indivíduos sempre foi uma prerrogativa da mensagem salvífica cristã. Os leprosos foram exemplos mais marcantes no início da história do cristianismo. Jesus exortou seus discípulos a lavarem os pés uns dos outros como símbolo máximo dos serviços prestados por um cristão ao seu próximo. Ensinou que governar antes de tudo é servir.

Os movimentos sociais seculares, que constroem sua fama em defesa de minorias excluídas e marginalizadas têm raízes no anúncio cristão — embora façam de tudo para esconder suas fontes.

Os críticos liberais do comunismo, com a visão limitada pelos excessos de poder econômico e político da liberdade humana, não entendem precisamente essa pretensiosa tentação dos movimentos seculares: substituir a narrativa religiosa de fim da história a partir da categoria política da totalidade. Sendo assim, igualam-se em suas pretensões materiais e, justamente por isso, concorrem com os comunistas.

O comunismo foi uma ideologia que buscou substituir os santos pelos militantes revolucionários, o Evangelho pelos livros de Marx, Lenin e Mao, a Igreja pelo Estado, o Juízo Final pelo Tribunal Popular, o Pecado Original pela Propriedade Privada, o Sacrifício Salvífico pelo Expurgo (mediante o massacre) de milhares de pessoas. Entretanto, os grandes críticos mais severos do comunismo nunca deixaram de observar o caráter religioso dessa monstruosa ideologia.

O liberalismo, por outro lado, pode se livrar de muitas acusações catastróficas que estão na conta dos genocidas, considerados humanistas pelos ideólogos da causa, mas não estão muito distantes no quesito pregação de um evangelho secular. A diferença com os comunistas — uma diferença fundamental, diga-se de passagem — é que em vez do coletivo, cultuam a liberdade individual como se cultivassem a um deus.

Não obstante a quantidade de bibliotecas abarrotadas de livros a respeito do tema, a definição de liberdade liberal intrinsecamente vinculada à de soberania do indivíduo nunca se manifesta com clareza. Afinal, exalta-se a liberdade dos indivíduos até certo ponto; e é preciso sempre de um especialista em liberdade para demarcar as fronteiras do que pode ou não pode ser dito e feito. A expressão “a liberdade acaba quando começa a do outro” é o tipo de frase de efeito que não fica bonita nem no papel de tão clichê e ambígua.

Ou seja, os especialistas em liberdade e democracia liberal propõem uma sociedade aberta e civilizada, porém nem tanto. Não querem arriscar perder o controle de ideias consideradas por eles mesmos de perigosas. Nada como instaurar um tribunal de exceção privado pronto ao total banimento de quem é mercado com o sinal da besta. Controle para a manutenção da civilização não deixa de ser controle.

E é curioso pensar nas contradições que isso gera no interior da própria sociedade democrática. Ora, se a democracia liberal depende tanto assim de especialistas que assumem a tarefa de proteger o povo de ideias perigosas, editando o que pode ou não pode ser dito, então caímos numa contradição no coração da própria experiência democrática, já que os indivíduos livres seriam incapazes de tomar decisões de como querem, livremente, ser governados.

No universo social proposto por Cristo, o pobre não se reduz a uma categoria sociológica; o doente não se reduz a uma categoria médica; o excluído não se reduz a uma categoria ideológica; e os indivíduos não se reduzem a pequenos deuses senhores de si mesmos. A liberdade cristã é liberdade interior e depende de esforço e graça para curar as feridas dos vícios e pecados. Os movimentos seculares, seja em nome dos excluídos e dos marginalizados, seja em nome de empreendedores soberanos, reduzem a pessoa a categorias que lhes convém.

Os indivíduos não passam de uma mera engrenagem funcionando dentro dessa dinâmica cega do “opressor-oprimido”, de “vítima-algoz”, cujo fim da história promete aniquilar o opressor e libertar, definitivamente, o oprimido. Tampouco é reduzido a um egozinho mesquinho todo soberano dono de si.

A mensagem cristã, ao contrário, buscou preservar a identidade pessoal na história e para além dela. A promessa de libertação é redentora, não assistencialista ou empreendedora. Nesse caso, preservam-se os rostos e prescreve amor, arrependimento e perdão. O Reino dos Céus, que não tem nada a ver com promessas terrenas, tem na plenitude da comunhão pessoal e no bem comum a esperança da plenitude dos tempos.

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