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No meu primeiro ano na faculdade de artes plásticas, fiquei entusiasmado com a missionária ideia de levar “cultura” para um público adolescente quase aniquilado por drogas e violência. Enquanto alguns dos meus colegas falavam no processo revolucionário de libertação política, eu focava minha atenção no que na época eu chamei, em tom de ironia, de “processo revolucionário de percepção estética”. É pela arte que você salva; pela política revolucionária você condena.
Eu era um jovem cheio de sonhos e achava que falar de história da arte, história da música, literatura e cinema seria um caminho para despertar a tomada de consciência desses adolescentes sem um acesso digno à cultura — ou àquilo que minha visão de mundo e entusiasmos entendiam por interesses culturais.
Devido à sua natureza intuitiva, a arte seria um caminho mais impactante para escancarar os universais dramas humanos. Montei um projeto, participei de outros, para escolas públicas de bairros social, cultural e economicamente precários. Um amigo e eu, voluntariamente, visitávamos escolas com palestras sobre arte. Exibíamos filmes e depois discutíamos, como uma espécie de clube de livro. Até que funcionava, mas no cômputo geral, fracassei.
A despeito do meu fracasso, cujo ônus é só meu, aprendi uma coisa importante: a diferença entre cultura erudita e cultura de massa. A cultura de massa impregna em você sem pedir licença. Cultura erudita exige das pessoas um tremendo esforço da liberdade interior, tempo e muita dedicação. Acho que uma dedicação e experiência que eu mesmo estava longe de ter acumulado no currículo. Foi assim que larguei o sonho missionário e fui estudar mais.
Em 2014, já mestre em filosofia, muitos alunos me procuraram para compreender melhor temas relacionados às ideologias políticas. Procuro fazer de tudo para desatar a ideia caricatural do professor “muito louco” de filosofia. E quando um aluno que vem me procurar para saber diferenciar “esquerda” e “direita”, “capitalismo” de “comunismo”, eu recomendo Homero e Shakespeare. “Vai por mim!” — prescrevo com entusiasmo e bom-humor.
Acredito na sala de aula como espaço privilegiado quase-sagrado de liberdade de pensamento que deve servir a propósitos pedagógicos mais nobres: apresentar o universo da experiência humana para além do “mundinho” político. Como sou professor de Ensino Médio, também acredito, como profissional, na preparação do estudante para uma próxima etapa de sua vida acadêmica: a universidade.
Minha máxima pedagógica é a de que o mundo será sempre mais complexo do que o mundinho criado pela nossa parca imaginação e reconhecer essa ignorância é o primeiro passo para a sabedoria — frase que eu juro não ter lido em livro de autoajuda.
Obviamente, há uma porção de tipos de ignorância. Divido-as três grupos: as ignorâncias relativas, a ignorância absoluta e a douta ignorância. As ignorâncias relativas são aquelas que dizem respeito ao desconhecimento de informação, de uma habilidade, de uma compreensão sobre algo específico. Eu, por exemplo, sou um completo ignorante relativo em ciências da computação, um completo ignorante relativo em língua russa, literatura chinesa, bioquímica e por aí vai. Não tenho interesse nessas coisas. E isso não vai mudar o destino da minha vida e da vida do cosmos.
Por outro lado, existe a ignorância absoluta. Esta corrói a consciência. Perverte escolhas e adoece o espírito. Não mata a carne, mas apodrece a alma.
A ignorância absoluta não é o desconhecimento de uma informação ou de uma habilidade específica, mas é a incapacidade do energúmeno um dia sequer ter levantado qualquer sinal de suspeita sobre si mesmo, suas crenças e decisões. Todo ignorante absoluto é, contraditoriamente, um portador de absolutas certezas. Aquele ser incapaz de duvidar e rir de si mesmo. Um verdadeiro pedregulho ambulante. Quando lá no início da carreira eu militava em favor da alta cultura, eu era assim. Toda forma de ditadura é consequência lógica direta dessa primeira forma de ditadura exercida sobre nós mesmos.
Por fim, a douta ignorância é quando a gente sabe profundamente de tudo isso. Ou, para usar a velha máxima socrática, do saber que sabe que nada sabe e, por isso, é capaz de reconhecer os próprios limites.