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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Em defesa do ensino de Filosofia

(Foto: Morhamedufmg/Pixabay)

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Na cabeça de muita gente, parece não estar clara a distinção fundamental entre filosofia, política, ciência, religião, arte e o escritor de livros de autoajuda.

Uns acreditam que a ciência possui o monopólio de todas as indagações humanas; outros já não enxergam com precisão a diferença entre psicologia, religião e filosofia – dados os pontos em comum ao formularem indagações humanas fundamentais. Existem ainda aqueles que, infelizmente, reduzem a atividade filosófica à militância política e à palestra de autoajuda. E, por fim, muita gente vê na filosofia nada mais do que extravagante performance artística. Ou seja: o filosofês não passa de pedante literatice.

Tudo fica mais confuso quando se pretende ensinar Filosofia no ensino médio sem demostrar com extrema seriedade qual é, em essência, uma de suas principais finalidades. E qual seria uma das principais finalidades da filosofia a não ser, precisamente, desatar os nós das confusões conceituais? Em resumo: ensinar a pensar com rigor.

Todos acreditam que a filosofia faz os alunos “pensarem melhor”, mas não sabem exatamente acerca do “quê” e “como” eles pensam

Muitos professores de outras áreas têm uma vaga noção a respeito do que efetivamente é filosofia, o que os filósofos fazem e como eles se reproduzem. Com aquela generalização debochada, nossos colegas sabem que a filosofia é muito importante – e geralmente dizem isto junto com o famoso tapinha nas costas quando puxamos um assunto: “amanhã conversamos a respeito”.

Todos têm uma leve noção de que filosofia é difícil, muito difícil, mas não sabem muito bem o quanto isso é verdadeiro. Acreditam que a filosofia faz os alunos “pensarem melhor”, mas não sabem exatamente acerca do “quê” e “como” eles pensam. Ah, o “senso crítico”: a filosofia refina o senso crítico. Porém, em geral, quem diz isso acha que “senso crítico” significa a mesma coisa que ser revolucionário e “ter umas ideias bem legais”.

Por outro lado, os alunos tratam o professor de Filosofia como o “doidão legal”, e que não faria a menor diferença se estivessem conversando com o hippie da pracinha que vende pulseirinhas de miçanga a respeito da “angústia do eu interior” e da “infinita imensidão do cosmos”.

De tudo isso, infelizmente, o mais constrangedor é saber que alguns professores de Filosofia não têm o menor pudor em demonstrar o prazer que sentem quando são comparados aos “bobos da corte” de uma cultura que necessita urgentemente de gente séria e extremamente competente.

Evidentemente que toda essa imagem do “professor de Filosofia que perdeu no jogo da vida” não passa de uma caricatura. Se a disciplina de Filosofia é ainda hoje marginalizada, a culpa é do professor. Pois, do fato de o objeto da filosofia não ser evidente para o iniciante em filosofia – pense no aluno de 15 anos tendo contato pela primeira vez com a noção de ontologia fenomenológica ou a de dedução transcendental, por exemplo – não segue que esse objeto não seja preciso, exato e fundamentalmente concreto.

A Filosofia é a mais concreta, exata e objetiva de todas as disciplinas. Em geral, a vagueza está em quem ensina. E o professor de Filosofia tem de assumir o compromisso profissional de demonstrar isso com extrema clareza e rigor. O compromisso fundamental exigido por sua disciplina, mais do que por qualquer outra disciplina, é ser rigorosamente preciso, coerente e claro.

A disciplina de Filosofia deveria estar entre as mais exatas de todas as disciplinas, a mais científica, a mais poética e a mais empolgante

Disso não segue que deverá perder a paixão e o entusiasmo pedagógico. Na filosofia, a paixão pedagógica pode coincidir com o rigor da lógica. Se um professor de Filosofia não é capaz de ser claro e empolgante, se só diz coisas confusas e imprecisas, o mais honesto é largar a filosofia e o ensino de filosofia e procurar outra profissão.

Em decorrência dessa confusão e dessa falta de comprometimento, a disciplina escolar de Filosofia foi marginalizada como a “mais humana disciplina de humanas”, ou seja, daquele conjunto de saberes imprecisos, em ridículo contraste com as de “exatas”, e que tem a finalidade de fazer do aluno um “bom cidadão mais humano e crítico”. Não obstante, a disciplina de Filosofia deveria estar entre as mais exatas de todas as disciplinas, a mais científica, a mais poética e a mais empolgante.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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