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Durante os últimos quatro anos, reuni uma série de textos escritos a partir de um dado incontornável acerca da natureza humana: nossas incertezas. Se podemos definir o homem como mortal, não podemos esquecer o quanto navegamos por águas turvas das incertas. Meu novo livro, que considero um livro de crônicas filosóficas, ganhou o título Minha contribuição para tornar o mundo um lugar ainda pior, e neste texto de hoje gostaria de falar um pouco sobre ele.
Como autor, confesso que as minhas expectativas são bastante modestas: meu objetivo com o novo livro, que acabo de lançar pela Editora Noética, é oferecer mais dúvidas que verdades, mais perguntas que respostas e, na medida do possível, uma leitura agradável – aquela que o leitor pode abandonar sem remorso.
Pessoalmente, sou avesso a qualquer forma de dogmatismo – sobretudo os políticos. Mas, claro, no que diz respeito às minhas opiniões, busco defendê-las com moderada convicção. Como estudante de Filosofia, meu sonho mesmo era escrever um Tratado geral das incertezas humanas. Desses calhamaços que buscam esgotar o assunto em sua totalidade. Contudo, eu cairia numa abominável contradição logo no título. Afinal, como é possível um tratado geral das nossas incertezas? Se é possível, não há incertezas.
Não precisamos esperar por homens extraordinários, cheios de certezas e grandes respostas salvadoras para os problemas e dramas do mundo
A respeito do título, perco o amigo, mas não perco a piada. Cheguei a ser chamado de “psicopata” dia desses. Óbvio que não quero contribuir para o mundo se tornar ainda pior. Deixo bem registrado: eu não considero o heroísmo uma banalidade. E, como escrevi no prefácio, estou ciente do quanto é preciso se esforçar para fazer do mundo um lugar melhor.
Meu ponto é o seguinte: não quero agir em nome do progresso da humanidade e sei bem o que muitas tragédias humanas escondem: elas poderiam ter sido evitadas se fôssemos capazes de reconhecer que por trás de toda boa intenção há um ser humano transitando nos labirintos das incertezas. Sempre existe a possibilidade de merdas acontecerem.
Então, considerando a persistente estrutura da natureza humana, proponho o seguinte: a banalidade do heroísmo deve ser uma das mais importantes saídas para se combater a banalidade do mal. A tese não é minha, infelizmente, mas uma articulação pouco audaciosa entre Philip Zimbardo e Hannah Arendt.
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Em vista disso, declaro para os devidos fins que o título do meu novo livro deve ser interpretado como um irônico exercício de modéstia. Sem excessos e sinalização de virtudes, por favor. Valho de uma inversão sugestiva: não precisamos esperar por homens extraordinários, cheios de certezas e grandes respostas salvadoras para os problemas e dramas do mundo.
Nossas esperanças podem ser depositadas nos pequenos detalhes do cotidiano, nas pequenas pretensões do dia a dia e nas alegrias, por vezes angustiantes, de nossas incertezas. Só não podem ser depositadas em salvadores da pátria e na política. A política não salva. Em vez disso, condena. Sou daqueles que reconhecem o caráter trágico da atividade política. O que salva é a arte e a religião. Às vezes, o futebol.
Não penso em arte e religião como duas esferas separadas. O amor é criativo. Aliás, a virtude do amor consiste no exercício constante de humildade, sobretudo enquanto exercida para o próximo, no sentido mesmo da caridade cristã, que no fundo significa o reconhecimento de nossas limitações. Trato isso como um dogma. E, se caio em contradição, me perdoem.
Sou daqueles que reconhecem o caráter trágico da atividade política. O que salva é a arte e a religião. Às vezes, o futebol
Organizei o livro em quatro capítulos. Não sei se foi a melhor opção. Espero de vocês a crítica. Começo assim: “Primeiro, as banalidades”. Nesse capítulo, reuni minhas reflexões com um tom um pouco mais pessoal. Pedantismos a parte, chamo isso de “exercícios de imaginação sociológica”. No segundo capítulo, batizado de “Tribos morais naufragando no labirinto de espelhos”, abordo como a dinâmica das redes sociais afeta nossa vida em comunidade. Trato isso como experiência própria e assumo todas as responsabilidades e irresponsabilidades que eu tenho nesse ambiente. Em “Diálogos impertinentes e debates infrutíferos”, trato de temas que podem ser considerados mais polêmicos pela sensibilidade social. Por fim, no último capítulo, que chamei de “Minha cidadezinha interior”, abordo temas como arte, poesia, filosofia e educação, isto é, os lugares onde encontro meu refúgio profissional e existencial.
Eu espero que o nobre leitor da Gazeta do Povo, que sempre me incentivou a escrever, se veja como um verdadeiro parceiro na construção desse livro. Seja uma crítica, um elogio ou um xingamento, não importa, sou grato a vocês.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos