Hoje entrevisto Diogo Chiuso, que neste ano de eleições e Copa do Mundo estreia como escritor, publicando O que restou da política: Ensaios sobre as desilusões ideológicas, que está em pré-lançamento pela Editora Noētika. Além de escritor, Diogo é tradutor e editor. Nasceu em Santos, em 1978, e formou-se em Comunicação Social na Universidade Católica de Santos, em 2001. Trabalhou algum tempo na área de marketing político e na organização de eventos culturais, embora tenha passado a maior parte da vida profissional editando livros, sua verdadeira paixão.
Depois das eleições, o que restou da política?
Na verdade, não tinha restado muita coisa antes. O nosso problema é que a política moderna se tornou apenas disputa pelo poder. Ninguém mais pensa de forma comunitária, ninguém mais consegue olhar o vizinho com benevolência depois de descobrir que ele está do outro lado do rubicão ideológico. Mas uma sociedade não pode ser regida por desejos particulares e ideias subjetivas; é preciso estabelecer um elo comum, algo que parece impossível hoje em dia, mas, sem ele, a política se torna estéril.
As ideologias desiludiram ou se intensificaram ainda mais? Em outras palavras, estamos esmagados pelos extremos?
Sem dúvida. E ambos os extremos são epifenômenos de algo um pouco mais complexo. Bauman falava da “modernidade líquida”, onde os valores estão em constante mudança. Mas esses valores que mudam parecem ter também mudado a teoria de Bauman. Evoluímos da modernidade líquida, com suas metamorfoses que deixaram a vida sem sentido, para a solidificação de uma moralidade negativa, onde tudo é proibido. No fim, é preciso amar as mesmas coisas e odiar as mesmas coisas, ou seja: ser fiel aos aliados e infernizar a vida dos inimigos. É por isso que não existe mais causa coletiva nem bem comum, só essas políticas identitárias com suas regras e, sobretudo, proibições.
“Fomos inoculados com uma espécie de idolatria que nos dá uma falsa convicção de que nada pode ser feito fora da politica, o que levou várias gerações a engordarem as fileiras ideológicas.”
Diogo Chiuso, autor de "O que restou da política"
O primeiro capítulo do livro traz um ensaio acerca da “ilusão democrática”. O que aconteceu com a democracia?
Antes de tudo, é preciso salientar que democracia não é estilo de vida nem categoria moral. É apenas o regime político preferível porque não temos outro melhor. Ela não é conquistada com discursos inflamados e eleições em dois em dois anos, mas aprimorada diariamente, com o nosso compromisso de se buscar a justiça e o bem comum.
Alguns dizem que a democracia está em crise; outros, que está ameaçada; e os mais pessimistas dizem que ela já morreu. De qualquer forma, o problema da democracia moderna é ela não conseguir atender a todas as demandas dos grupos sociais que reclamam direitos. Claro que não é possível atender a todas essas demandas, garantir uma expansão infinita de direitos individuais e ainda manter o Estado e as instituições neutras, sem conflitos. Há uma crise de representatividade porque o Estado se expandiu demais e não consegue atender a toda a população. Além disso, como não é possível que o povo permaneça reunido constantemente em assembleia, é preciso delegar a tarefa aos políticos, que raramente se comportam bem. E aí começam os problemas...
Como você interpreta a enorme defasagem entre pesquisas eleitorais e os resultados das urnas para a Presidência da República?
Os erros não foram apenas das intenções de voto para presidente; os institutos erraram em todos os sentidos. E numa sociedade polarizada, onde todos estão cheios de teorias da conspiração na cabeça, é natural que se pense em fraudes. Mas eu fico me perguntando o porquê desse fetiche pelas pesquisas. Todo mundo reclama que há pouco debate sobre propostas ou até mesmo que ninguém tem propostas para o país, mas gastamos um tempo enorme analisando pesquisas para descobrir que, no fim, se elas não eram verdadeiros embustes, não serviram para muita coisa depois que os votos são apurados.
Fora da política há salvação?
Pelo contrário: só há salvação fora da política. Depois de guerras mundiais e tantos regimes totalitários, ninguém deveria ter o direito de ser ingênuo e acreditar nos profetas que saem por aí anunciando coisas terríveis se votarmos nos seus adversários. Mas fomos inoculados com uma espécie de idolatria que nos dá uma falsa convicção de que nada pode ser feito fora da politica, o que levou várias gerações a engordarem as fileiras ideológicas.
Claro que a política é fundamental para vivermos em sociedade. O problema é quando ela deixar de ser a busca da justiça e do bem comum, e ganha esse aspecto esotérico, com profetas, oráculos de redes sociais e salvadores do mundo. Porque sempre tem alguém querendo nos convencer de que somos vítimas de uma conspiração mundial; sempre tem alguém querendo nos vender um terreninho bem localizado em algum paraíso terrestre e nos enganar com as mesmas promessas ideológicas de poder transformar o mundo em um lugar perfeito e libertar os povos da opressão. Mas no fim, quando nos damos conta de que fomos enganados, percebemos que Charles Péguy tinha razão quando disse que toda ideologia vive de sua mística e morre na sua política.