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Getúlio Vargas e Gustavo Capanema
Getúlio Vargas e Gustavo Capanema (à esquerda) durante a inauguração do prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública, no Rio.| Foto: Reprodução

No texto de hoje trago uma conversa com o jornalista e pesquisador Fábio Silvestre Cardoso sobre o seu livro que acaba de ser publicado pela editora Record: Capanema, a história do ministro da Educação que atraiu intelectuais, tentou controlar o poder e sobreviveu à Era Vargas.

Segundo a sinopse do livro, “entre 1927 e 1979, Gustavo Capanema Filho teve atuação política destacada no país. Nome importante para desvendar as motivações, a agenda e a natureza daqueles que buscam ocupar um espaço no poder, é reconhecido pela sua gestão à frente do Ministério da Educação e Saúde entre 1934 e 1945, mas sua participação no debate político não se restringiu às reformas que promoveu na educação: também foi uma das ferramentas do Estado Novo para cooptar intelectuais para a adesão ao regime, por suas conexões com nomes como Carlos Drummond de Andrade e Cândido Portinari. Exemplo raro de figura que se renovou no poder como pôde, ocupando posições diferentes, mas sempre de forma pragmática, Capanema soube agir de modo a preservar o status que possuía. É essa a história que merece ser contada”.

Por que a vida de Gustavo Capanema merece ser contada e o que a biografia que você escreveu sobre ele nos ensina?

Gustavo Capanema é uma das figuras mais importantes da política brasileira no século 20. Como mostro no livro, trata-se de um político de outra estirpe – e isso não apenas em comparação com os nomes de hoje no parlamento ou no ministério. Tanto do ponto de vista da defesa de suas convicções, como também da capacidade de dialogar e enfrentar adversários hostis no contexto da vida pública, trata-se de uma referência que ultrapassa o seu tempo, destacando-se como um dos homens públicos mais ativos de sua geração – o que não é pouco em se tratando de uma época com tantos nomes que ficaram marcados na história do Brasil. “Recuperar” Capanema tem a ver, ainda, com a discussão sobre a questão do poder – de como esse fator pode transformar vocações e se tornar uma espécie de prisão da qual não se consegue escapar. Nesse sentido, a política é um tipo de obsessão da qual até mesmo personagens capacitados não são capazes de se desvencilhar.

Como o subtítulo da sua obra destaca, Capanema se notabilizou por atrair intelectuais enquanto era ministro da Educação e Saúde na Era Vargas. Você poderia falar um pouco a respeito dessa relação entre o político e os intelectuais?

Sempre me fascinou o fato de Gustavo Capanema ter conseguido congregar em torno de si personalidades tão criativas e, ao mesmo tempo (por uma questão de princípio), que seriam – ao menos em tese – avessas a um projeto de poder como o que foi colocado em prática por Vargas. Exatamente por isso, esse foi um dos marcos de Capanema à frente do ministério, e pode ser considerado dos pontos de virada na vida pública do país, uma vez que alguns dos melhores talentos estiveram a serviço do poder. Ao atrair esses intelectuais, ele não apenas conferiu ao Ministério da Educação uma espécie de status de prestígio e de instância iluminada do poder, mas, sobretudo, mostrou como os intelectuais podem fazer parte de um projeto ainda mais sofisticado na consolidação de um ideário acerca da cultura e da educação no país.

Em sua gestão, Gustavo Capanema ficou conhecido pelos projetos políticos de reorganização do ensino no país, não só no sentido técnico e burocrático, mas no sentido de “mudança de mentalidade”. Como ele entendia a atuação do Estado na educação e o que isso pode nos ensinar?

A questão da presença do Estado na administração Capanema é partícula elementar, digamos assim, para que possamos compreender como o ministro da Educação operava. Conforme mostro no livro, Capanema estava convicto de que o papel do Estado deveria ser decisivo no processo político nacional – e ele abraça a agenda de que o poder central deve ter o controle das iniciativas e, obviamente, isso alcança a pasta da educação. Assim, no que tange à educação, Capanema buscou controlar todas as ações. Como consequência, todo e qualquer projeto de educação que ousasse escapar dessa proposição era confrontado e tirado de cena, num claro exemplo de como o poder opera. Importante: Capanema fez tudo isso não somente ancorado na capacidade técnica de gestão, mas, sobretudo, graças ao poder político do ministério.

Além dos intelectuais modernistas ligados ao Estado Novo e a Capanema, o exemplo mais importante foi Carlos Drummond de Andrade. Houve uma associação com setores mais conservadores, inclusive com a Igreja Católica, em que se destacam as proeminentes figuras de Alceu Amoroso Lima e Padre Leonel Franca. Como você avalia essa tensão (ideológica entre modernistas e conservadores) — se é que podemos falar assim — considerando que Capanema buscou centralizar (estatizar) cada vez mais a educação brasileira?

Gustavo Capanema foi confrontado por essas correntes de pensamento durante a sua gestão e, por necessidade, teve de encontrar o caminho do meio para lidar com essa disputa. É correto assinalar que, exatamente por ter sido recomendado por um dos próceres da Igreja Católica (Alceu Amoroso Lima) e também graças à sua convicção, Capanema abriu espaço para a influência dessa instituição no âmbito das universidades, por exemplo. Em contrapartida, também deu abrigo para as lideranças intelectuais que, alinhados à agenda “progressista”, como diríamos hoje, consolidaram todo um aparato cultural em linha com os ideais do modernismo. A sua pergunta faz menção a esses dois personagens fundamentais: Alceu Amoroso Lima e Carlos Drummond de Andrade. Em um determinado episódio, o poeta chegou mesmo a pedir demissão do cargo, quando Alceu Amoroso Lima fez no Ministério da Educação uma palestra contra o comunismo – só que Capanema não aceitou. As convicções políticas eram, sem dúvida alguma, importantes, mas tanto quanto isso havia a questão de amizade entre Capanema e Drummond – e, no caso desses dois, isso valia muito. De igual modo, Alceu Amoroso Lima jamais foi alijado do poder, porque existia ali uma relação de lealdade de Capanema para com Alceu Amoroso Lima, que foi um dos responsáveis para que chegasse ao cargo de ministro da Educação e Saúde.

O que herdamos de Gustavo Capanema?

Quando olhamos a trajetória de Gustavo Capanema, talvez seja sedutor imaginar que sua gestão à frente do Ministério da Educação e Saúde foi bem-sucedida exatamente porque não viveu momentos tão tensionados como os nossos. Ocorre que ele também enfrentou as dificuldades inerentes ao cargo tendo como principal eixo o cuidado de não se deixar levar por nenhuma das correntes que disputavam poder no ministério – até mesmo porque ele próprio tinha suas convicções. Creio que é justo afirmar que a passagem de Capanema pelo Ministério da Educação conferiu à pasta um status de estima permanente – a ponto de, até mesmo nos nossos dias, ser um dos departamentos da administração pública mais sensíveis à tensão política. Ao mesmo tempo, do ponto de vista político, herdamos de Gustavo Capanema uma tradição muito cara aos políticos mineiros, uma espécie de elogio da conciliação.

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