O Oriente Médio, historicamente caracterizado por tensões geopolíticas, vivenciou um novo episódio com os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro. Esse atentado agravou, lamentavelmente, ainda mais a crise regional e reverberou no cenário internacional. Buscar compreender uma situação não implica necessariamente em concordar ou endossá-la. Da minha parte, acredito que a análise realista das relações internacionais seja a abordagem mais pertinente ao tentarmos desvendar as complexidades do jogo político, sobretudo pelo ceticismo em contraste com o liberalismo. Nesse contexto, em meio a diversas interpretações, tive a chance de conversar com um querido amigo e professor de Relações Internacionais para explorar os aspectos históricos e políticos do ocorrido em 7 de outubro. Henrique Cavalcanti de Albuquerque, graduado em História pela USP e mestre em História da Cultura pela PUC-SP, é autor do livro Política Externa Brasileira, publicado pela editora Freitas Bastos, e leciona Relações Internacionais na faculdade Athon.
Considerando que compreender não significa concordar, quais você acredita serem as principais motivações por trás dos ataques do Hamas em 7 de outubro?
O timing do ataque foi preciso: Primeiro, Israel estava dividido em sua proposta de reforma legal feita por Benjamin Netanyahu, com grupos mais ortodoxos e nacionalistas apoiando a reforma que iria diminuir poder do Judiciário, e grupos mais liberais e sociais-democratas e socialistas contrários. Esta divisão interna na sociedade israelense permitiu até mesmo revoltas pontuais na hierarquia das Forças Armadas, enfraquecendo a vigilância sobre as fronteiras. Segundo, ao mesmo tempo, o mundo inteiro estava muito preocupado com a guerra na Ucrânia, levando a uma maior liberdade de ação preparatória do Hamas, ação esta que foi muito bem estruturada e certamente, em condições normais, seria percebida pelos serviços de inteligência, tanto americanos quanto israelenses. Ironicamente, parece que só o Egito tinha conhecimento de algo grande acontecendo. Terceiro, Israel foi governado nos últimos anos por uma coalizão cada vez mais ortodoxa e nacionalista cujo mote pode ser definido como “segurança e expansão”. A segurança vinha da confiança quase arrogante nos serviços de inteligência, o que, vimos agora, foi um equívoco. E expansão, por ampliar os assentamentos na Cisjordânia, levando o grupo do Fatah ao isolamento. Esta expansão também abarcou o desejo manifesto de limitar o acesso de palestinos islâmicos à Esplanada das Mesquitas em Jerusalém Oriental, incluindo aí ações militares até mesmo dentro do complexo. Quarto, e último, Netanyahu tentou normalizar relações diplomáticas com os outros países árabes, como Arábia Saudita, Bahrein e Emirados Árabes Unidos. Jordânia e Egito já têm relações normalizadas desde a guerra do Yom Kippur, que aliás fez 50 anos. Se estas relações fossem efetivadas com tratados, a liderança palestina ficaria isolada. O atentado foi feito para quebrar estes acordos e levar Israel de volta à lógica da violência.
“Terrorismo se combate com inteligência e ações militares “cirúrgicas”; isso leva tempo. Bombardeios generalizados em áreas densamente povoadas não revolvem o problema.”
Henrique Cavalcanti de Albuquerque, professor de Relações Internacionais e autor de Política Externa Brasileira
Como os ataques de 7 de outubro afetarão a dinâmica geopolítica do Oriente Médio? Quais mudanças significativas veremos daqui para a frente nas alianças ou nas relações entre os países vizinhos?
Agora tudo vai depender da reação de Israel. A lógica do terrorismo é perversa e eficaz. Vai levar a uma ação terrestre na Faixa de Gaza, que infelizmente é um passivo geopolítico grave de Israel. A situação humanitária naquela região é insustentável há anos e só foi piorando com o tempo. Com uma ação terrestre que será violenta, e já está sendo, Israel pode cair na armadilha do terrorismo: violência que gera mais violência. Por isso, as comparações com o 11 de Setembro são possíveis: após aquele atentado brutal, a reação americana foi invadir o Iraque e o Afeganistão; ambas as ações foram desastres geopolíticos de grandes proporções, que enfraqueceram a liderança americana no mundo. Infelizmente, é muito provável que a retórica da força bruta usada pela coalizão de Netanyahu por anos seja agora sua armadilha: terá de dobrar a aposta na resolução do problema palestino pela força, o que gerará mais revolta entre os palestinos e um possível afastamento dos países árabes, talvez até mesmo dos que já estavam em condições normais de negociação com Israel. No limite, se esta ação terrestre forçar um deslocamento humanitário com a expulsão de milhares, talvez milhões de palestinos, a ONU não terá alternativa a não ser condenar Israel, e talvez nem os EUA consigam dar o suporte diplomático possível, isolando o país na comunidade internacional.
Outra possibilidade é uma expansão da guerra ao norte, com o Hezbollah, e até mesmo envolvendo Síria e Irã, o que levaria o conflito a níveis de desestabilização de todo o Oriente Médio. É pouco provável o envolvimento da Rússia, a não ser que os EUA entrem com muita força na tentativa de derrubar o regime sírio. Uma possibilidade remota é a “rua árabe”: uma nova Primavera Árabe, pois o tema palestino sempre foi muito forte entre a população do mundo árabe, enquanto seus líderes, sempre ditaduras, procuravam negociar com Israel. Um ponto chave é o Egito: uma derrubada da ditadura egípcia pela população mudaria todo o xadrez regional. É pouco provável, mas não impossível, que isso ocorra.
Como a comunidade internacional, incluindo organizações como a ONU, tem respondido aos ataques de 7 de outubro?
A ONU tem coordenado ações humanitárias em Gaza e foi enfática como tinha de ser na condenação ao ato terrorista do Hamas. Terrorismo se combate com inteligência e ações militares “cirúrgicas”; isso leva tempo. Bombardeios generalizados em áreas densamente povoadas não revolvem o problema, e a ONU precisa estar atuante para evitar um desastre humanitário ainda maior.
Qual a relevância do Brasil nesse cenário?
O Brasil teve uma ação correta em realizar voos de repatriação de cidadãos brasileiros, tanto em Israel quanto em Gaza, embora nesta última ainda exista o bloqueio de pessoas na fronteira com o Egito. O Brasil sempre teve uma posição correta em relação ao conflito, condenando o terrorismo como ação política e advogando a solução de dois Estados, como, aliás, é a proposta original da ONU. Qualquer declaração de alguma autoridade brasileira que fuja desta linha de atuação é equivocada, ainda mais se for na direção totalmente errada de justificar as ações do Hamas. Ao mesmo tempo, a posição brasileira também deve ser de respeito às leis internacionais, o que é um passivo recorrente do expansionismo israelense, principalmente na Cisjordânia.
Com base em sua experiência, como você vê o futuro das relações entre Israel e Palestinos após os ataques de 7 de outubro? Existe potencial para uma resolução pacífica, ou podemos esperar mais tensões e conflitos?
No curto prazo não há nenhuma possibilidade que não seja a de mais conflitos. Agora, inclusive, o perigo é o conflito escalar e envolver outros atores, como o Hezbollah ou até mesmo o Irã. Não há prazo para a incursão terrestre acabar. Poderá durar mais de um ano, ou ainda mais. Infelizmente, a solução pacífica parece muito distante, porque os traumas vividos pelas duas sociedades, a israelense e a palestina, são simplesmente dolorosos demais para serem curados nesta geração. Também faltam líderes em todos os lados das disputas que exerçam capacidade de aglutinação de pontos construtivos. A armadilha discursiva da força está espalhada em todos os lados dos conflitos: Hezbollah, Hamas e Irã, por um lado, e lideranças nacionalistas extremadas em Israel e até nos EUA, por outro. Há falta de atores estatais e individuais na resolução dos conflitos. Infelizmente, ainda veremos cenas de violência de todos os lados, por um momento longo no tempo.
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