Não sou mais disciplinado com os estudos. Já fui. Passou. Cansei. Perdi o pique. Para ser sincero, no início – não na infância, por favor; digo, quando descobri que queria entender “as coisas sérias e permanentes”, ou seja, lá pelos 19 – cheguei a cultivar certa obsessão por planejamento, método e fichas. Queria recuperar o tempo perdido. Ler tudo. Todos os clássicos. Mas vamos ser sinceros?
Na infância fui medíocre – não que tenha mudado alguma coisa; é que hoje, com alguns dias pra completar 45, valorizo mais minha mediocridade. Não se empolguem, reafirmo, para não deixar dúvidas: aprendi a valorizar a minha mediocridade. A dos outros, dispenso. Não tolero, mas faço vista grossa.
Para dividir a vida com os outros, valorizo o bom senso, que ninguém sabe definir exatamente o que é, mas preferimos acreditar que todo mundo sabe de sua importância para a arte do convívio. Naquela época, chegava a passar 12 horas diárias enfurnado numa biblioteca. Eu não tinha mais nada para fazer, não tinha um puto no bolso. Não tinha “ambição” – julgava minha mãe, de quem eu era financeiramente dependente.
Essa fome de verdade durou alguns anos. Hoje descobri que era fome de eternidade. Entre a busca de verdade e a de eternidade há diferenças, e é preciso encontrar um equilíbrio. A metáfora não ajuda, tampouco atrapalha. Um dia tento explicar melhor. O fato é que é fácil estudar quando não se tem um puto no bolso. Porém, não há almoço e muito menos estudos grátis, já diria o grande economista de Chicago.
Bento XVI me ajudou a compreender que um cristão não precisa ter receio das perguntas fundamentais. A genuína relação entre fé e razão foi reabilitada em meu coração
Sem Twitter como distração – ou obsessão por curtidas. Sem filhos. Sem Raquel. Se eu pudesse, fundava um mosteiro. Ideia tola, como é tolo todo pedantismo. Tudo isso para responder o que me perguntaram. Enfim, perguntaram-me: “como eu faço pra estudar tanto?” Não faço. Já fiz. Esse tempo passou. Apenas estudo. Para ser mais preciso: abro um livro e leio. E, sem culpa, largo no meio se estiver aborrecendo.
Hoje, aprendi a ler sem obsessão por grandes verdades, sem pretensões por eternidades. Minha obsessão é de outra natureza. É Alice, Davi e Olívia. É Raquel. Neles, encontrei minha paz. Nos estudos, encontrei apenas um prazer – e um jeito de pagar os boletos. Com quase 45 anos, acho que descobri o valor das perguntas mais simples e a segurança de uma fé tranquila.
Por isso, gostaria de falar da importância de Bento XVI para minha formação e retorno à Igreja Católica. Eu aprendi muito com ele. O primeiro livro que li foi Introdução ao Cristianismo. Eu estava em vias de me converter. Bento XVI me ajudou a compreender que um cristão não precisa ter receio das perguntas fundamentais. A genuína relação entre fé e razão foi reabilitada em meu coração.
Nunca li um único texto do Santo Padre Bento XVI que não contivesse uma porção de perguntas desconcertantes. Quando a fé pensa, ela pensa com a totalidade dos nossos dramas mais humanos. Queria encerrar essas reflexões de início de ano com este pequeno trecho de um texto dele de 2012, dirigido aos fiéis na Praça de São Pedro na tradicional audiência de quarta-feira:
“Hoje, junto a tantos sinais do bem, cresce ao nosso redor também um certo deserto espiritual. Às vezes, tem-se a sensação, por certos acontecimentos dos quais temos notícia todos os dias, que o mundo não vai em direção à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as mesmas ideias de progresso e de bem-estar mostram também as suas sombras. Apesar da grandeza das descobertas da ciência e dos sucessos da técnica, hoje o homem não parece verdadeiramente mais livre, mais humano; permanecem tantas formas de exploração, de manipulação, de violência, de abusos, de injustiça…
Um certo tipo de cultura, então, educou a mover-se somente no horizonte das coisas, do factível, a crer somente no que se vê e se toca com as próprias mãos. Por outro lado, cresce também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão somente horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto, surgem algumas perguntas fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Em que direção orientar as escolhas da nossa liberdade para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte? Destas insuprimíveis perguntas emergem como o mundo do planejamento, do cálculo exato e do experimento, em uma palavra o saber da ciência, mesmo sendo importante para a vida do homem, sozinho não basta. Nós precisamos não apenas do pão material, precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um senso autêntico também nas crises, na escuridão, nas dificuldades e nos problemas cotidianos. A fé nos dá exatamente isto: é um confiante confiar em um ‘Tu’, que é Deus, o qual me dá uma certeza diferente, mas não menos sólida daquela que me vem do cálculo exato ou da ciência.”
Obrigado por tudo, Bento XVI, e descanse em paz!