Lula não deixa os amigos na mão. Seu governo não busca realizar os valores republicanos, mas sim os da camaradagem. Em termos de jogo puro pelo poder, o movimento político do líder petista foi irretocável, como a suprema corte pode atestar. Com a aposentadoria de Rosa Weber, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou a indicação de Flávio Dino, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, para ocupar a vaga. Cristiano Zanin, o advogado pessoal, foi o primeiro. Trata-se de um verdadeiro círculo de afetos. Uma nova igreja. Ouso dizer que o país é governado por uma fraternidade, para não dizer uma seita.
Não demorou muito para que o currículo de Dino fosse defendido com louvores pela imprensa comprometida como o anúncio. A impressão é de que o ex-juiz federal, ex-governador do Maranhão, ex-deputado federal e senador eleito em 2022 pelo Partido Socialista Brasileiro possui um currículo notável. Dino é advogado e professor de Direito, com mestrado em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Ou seja, parece possuir o notório saber necessário para defender os interesses de seu círculo.
Agora, entre nós aqui, fico me perguntando como alguém tão versado em tantas áreas conseguiu justificar seu declarado comunismo em Jesus Cristo. É muita ousadia. De todas as bobagens que o vejo falar, essa é a que mais me pega.
Ouso dizer que o país é governado por uma fraternidade, para não dizer uma seita
Quando questionado sobre o assunto, Dino sustentou, não exatamente com essas palavras, que “Cristo propôs o comunismo”. Segundo o futuro ministro da suprema corte, seu comunismo tem a ver não só com o evangelho de Marx, mas também com o de Cristo. Ele disse isso há cerca de quatro anos em uma entrevista para o canal MyNews no YouTube. Entretanto, mesmo depois de tanto tempo, é o tipo de afirmação que não podemos deixar passar.
A pauta do programa era: “Ainda existe comunista no Brasil?” Nem sei o que leva alguém a considerar isso como pauta, mas tudo bem. De qualquer maneira, o entrevistador fez uma pergunta incisiva para Dino: “O senhor é comunista? E o que é ser um comunista?”
Segue a resposta transcrita na íntegra, com algumas adaptações para manter a fluidez textual: “Eu sou comunista, graças a Deus. Acho que essa já é uma resposta prática e coerente. Vá ao livro de Atos dos Apóstolos, Capítulo 4, versículo 32, que você verá lá uma descrição”.
Ao ser questionado sobre ser um “comunista de iPhone”, ele refletiu com a destreza de um canhoto (desculpe o trocadilho ridículo): “Claro que a tecnologia é essencial, e queremos que todos tenham acesso a ela. Essa é a diferença: alguns querem que a tecnologia seja para poucos, nós queremos que seja para todos. Defender comunhão, partilha e justiça social são valores que devem ser sempre atualizados. Se considerarmos que esses princípios são fora de moda, isso significa que a sociedade fracassou. Nós acreditamos na solidariedade, na convivência e na partilha”. Bravo!
Bem, o versículo 32 do capítulo 4 do livro de Atos dos Apóstolos, ao qual Dino se refere, é este: “Da multidão dos que creram, era um o coração e a alma; e ninguém dizia ser seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum”. Ele é frequentemente citado para ilustrar os princípios de comunhão e partilha, como formação de uma comunidade unida e solidária, onde os bens são compartilhados para o bem comum.
O que isso tem a ver com comunismo? Primeiro, vamos ser honestos. A pergunta feita a ele não tinha a ver com as primeiras comunidades cristãs. O comunismo de Dino refere-se às diretrizes ideológicas de Marx e Engels, com algumas adaptações históricas necessárias para atrair os mais sensíveis. Contudo, o núcleo duro é a concepção materialista da realidade, o que é bem contrário ao querigma cristão, isto é, o anúncio do Reino de Deus proposto por Jesus Cristo, Nosso Senhor.
A partilha mencionada nos Atos dos Apóstolos era um testemunho tangível do Evangelho em ação, não a proposta de uma práxis revolucionária cujo meio é a ditadura do proletariado e o fim, a destruição de uma velha ordem social
Há um detalhe suprimido por todo comunista que instrumentaliza esse versículo: “da multidão dos que creram, era um o coração e a alma”. Ora, a partilha de bens não era apenas uma prática social, mas uma expressão de fé. Ao compartilhar, os primeiros cristãos estavam vivenciando os ensinamentos de Jesus sobre amor ao próximo enquanto expressão da misericórdia de Deus. A partilha mencionada era um testemunho tangível do Evangelho em ação, não a proposta de uma práxis revolucionária cujo meio é a ditadura do proletariado e o fim, a destruição de uma velha ordem social.
O versículo começa com a afirmação de que os crentes eram “um só coração e uma só alma” em Cristo Jesus. Esta unidade vai além da mera concordância ideológica; ela reflete uma profunda conexão espiritual e comunitária, que é o coração de toda a Igreja primitiva, não do Estado. No cristianismo, a unidade não é apenas o ideal de um novo mundo aqui na terra, mas uma realidade vivida como Reino de Deus, fundamentada no amor e na misericórdia de Cristo Jesus. Se Dino de fato fosse um “comunista, graças a Deus”, o reino que ele busca exercer poder não seria o deste mundo, o mundinho de seus camaradas.