Manifestação de comunistas em Londres, no dia 1.º de maio de 2009.| Foto: Troublemaker1949/Wikimedia Commons/Domínio público
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Não há equivalência entre defender Stálin e a democracia liberal. Você poderia até demonstrar que o socialismo soviético foi uma deformação do comunismo e defender, por princípio, o comunismo. Porém, não há qualquer equivalência entre defender comunismo, como tese, e a tirania de Stálin.

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Eu não conheço um único liberal que, hoje, defenda atrocidades cometidas por figurões do colonialismo europeu. A violência foi um desvio de caráter dos indivíduos com seus interesses deturpados e não um atributo do próprio sistema democrático.

Os que acreditam na democracia liberal e na economia de mercado como arranjo de uma sociedade possível, mais livre, justa e igualitária, não o fazem porque consideram esse arranjo uma via definitiva de redenção para o homem. A ordem liberal e a economia de mercado, como qualquer outra forma de organizar a sociedade, acumulam erros justamente por serem sistemas falíveis, como qualquer outro sistema político humano. Os sistemas políticos deste mundo expressam todas as fraquezas humanas e estão sujeitos a virtudes e vícios dos indivíduos. O perfeito e misericordioso reino de Deus é de outro mundo.

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Marxistas-leninistas reabilitaram a defesa de Stálin como um mal necessário

Portanto, o sistema mais perfeito será sempre fadado ao fracasso dado a fragilidade inerente à própria condição humana. O que se tenta criar é um método coletivo capaz de amenizar a nossa situação de injustiça no mundo. A democracia liberal e a economia de mercado têm demonstrado algum sucesso para barrar a emergência de coerções arbitrárias. E qualquer tentativa de achar que ela funciona como uma ordem perfeita não passa de uma alucinação tirânica.

No entanto, para quem olha os eventos na sociedade como se fossem movidos por forças históricas cegas, não haverá muita dificuldade em dizer que “em nome do livre mercado o rei Leopoldo da Bélgica assassinou 8 milhões de africanos no Congo. Liberal assassino!”, e botar na conta das democracias liberais as sádicas escolhas de Leopoldo.

Ora, o fato é que não há um único liberal que defenda, à luz do próprio liberalismo, o (com o perdão do termo) “empreendimento” de Leopoldo na Bélgica. E olha que não sou o maior fã do liberalismo, como meus leitores sabem. A democracia liberal tem muitos problemas, mas definitivamente o rei Leopoldo da Bélgica não pode ser entronizado como seu representante.

Por outro lado, é que esse tipo de ataque à democracia liberal vem de uma nova geração de defensores do camarada Stálin, o genocida de estimação da nova esquerda raiz, que busca se desvincular do advento do progressismo fofo das redes sociais. Sim, Stálin é entronizado como um grande representante do marxismo. Tem alguns errinhos, mas sabe como é...

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De repente, marxistas-leninistas reabilitaram a defesa de Stálin como um mal necessário. Afinal, infelizmente, para combater a democracia liberal numa economia de mercado, coisas horríveis precisaram – e precisam – ser feitas. De qualquer forma, a violência não é uma novidade no processo revolucionário. Trata-se de uma dimensão estruturante do engajamento político da classe operária, segundo os marxistas. Jones Manoel, um conhecido professor que reacendeu a defesa do stalinismo, diz com todas as letras: “Eu defendo a ditadura revolucionária do proletariado, tal qual Marx, Engels, Lênin. Matar pessoas, em uma revolução, é uma contingência que acontece. Os bolcheviques não venceram o exército branco com flores”.

A retórica da violência revolucionária já estava presente em um texto de Karl Marx em 1847, A Miséria da Filosofia. Não se combate a opressão com abraços, uma revolução não é um processo de transição entre o antigo e o novo, mas a derrubada do antigo para erigir o novo. Diz Marx com clareza cristalina: “Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes. A libertação da classe oprimida implica, pois, necessariamente, a criação de uma sociedade nova [...]. A organização dos elementos revolucionários como classe supõe a existência de todas as forças produtivas que poderiam se engendrar no seio da sociedade antiga”.

A violência não é uma novidade no processo revolucionário

Há um significado explícito na transposição revolucionária entre a velha sociedade em ruínas e a nova sociedade: a terra prometida, a libertação da classe trabalhadora de toda ordem burguesa implica a abolição de todas as ordens.

O método “científico” de Marx é extremamente imaginativo. Seu poder de descrição da revolução total é inversamente proporcional à sua capacidade de descrever como seria, afinal, a sociedade sem classes: “A classe trabalhadora substituirá, no curso do seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e seu antagonismo, e não haverá mais poder político propriamente dito, já que o poder político é o resumo oficial do antagonismo na sociedade civil. Entretanto, o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é uma luta de uma classe contra outra, luta que, levada à sua expressão mais alta, é uma revolução total”.

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Mas gostaria de destacar o próximo trecho, pois ele demonstra o DNA do método que deverá ser adotado pelos marxistas de ontem, hoje e sempre: “Somente numa ordem de coisas em que não existam mais classes e antagonismos entre classes, as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas. Até lá, às vésperas de cada reorganização geral da sociedade, a última palavra da ciência social será sempre: O combate ou a morte: a luta sanguinária ou nada. É assim que a questão está irresistivelmente posta”.

Marxistas optaram pela violência por entenderem a história como um campo de batalha. Porém, matar em nome do bem é uma contingência para a definitiva reconciliação do homem consigo mesmo no final feliz da história.