Volodymyr Zelensky e Donald Trump no Salão Oval da Casa Branca, na semana passada.| Foto: EFE/EPA/Jim lo Scalzo/Pool
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Eu vejo a guerra entre Rússia e Ucrânia como um realista ofensivo, na linha de John Mearsheimer. Não é um confronto entre civilização e barbárie; é apenas mais uma etapa inevitável na disputa por poder. Guerra é política por outros meios, e política é imposição de força. Após a Guerra Fria, os liberais proclamaram o “fim da história”, apostaram na democracia e na paz duradoura. Hoje, é preciso encarar os restos dessa ilusão e confirmar um fato bruto: a história não parou. A paz perpétua é uma grande ilusão moderna.

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Mearsheimer chama a Ucrânia de “um peão no jogo das grandes potências”. Infelizmente, concordo. Esse conflito não se resume à crueldade de Putin ou à bravura dos ucranianos, mas à colisão de interesses geopolíticos. Os Estados Unidos e a Otan querem ampliar sua influência; a Rússia busca impedir um cerco em suas fronteiras. A Ucrânia, por sua posição, está fadada a sofrer. É o dilema. Como Mearsheimer disse recentemente em entrevista sobre o encontro entre Trump e Zelensky: “Zelensky está em sérios apuros. Ele liderou seu país em uma guerra que resultou em uma catástrofe”. Para mim, essa é a essência da tragédia: um Estado menor esmagado por forças maiores.

O liberalismo não entende isso. Por anos, o Ocidente viu a expansão da Otan como um avanço natural da democracia. Nada como ignorar que grandes potências não aceitam ameaças próximas e consideram a democracia ocidental um erro. Tucídides, em sua História da Guerra do Peloponeso, alertava: “Os fortes fazem o que podem, e os fracos sofrem o que devem”. A Ucrânia prova essa regra. Para o Kremlin, invadir foi uma resposta lógica: conter a Otan e proteger sua esfera estratégica. Não justifico a agressão, mas a vejo como previsível num sistema onde a segurança depende do poder, não de acordos.

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Num mundo anárquico, a força determina o destino. Os fracos, por mais dignos que sejam, carregam o fardo das consequências

A visão liberal, com seus ideais universais de um mundo melhor e mais livre, é ingênua. Acredita que cooperação e interdependência entre os povos superam rivalidades. Nada como esquecer que ogivas nucleares não respeitam discursos. Por favor, leiam Maquiavel: “Um homem que deseja ser bom em tudo acaba se arruinando entre tantos que não o são”. Estados que confiam na bondade alheia colapsam. A Otan cresceu, a Rússia reagiu, e a Ucrânia virou o palco do confronto. Os liberais esperavam que as normas internacionais e toda a boa vontade do mundo freassem Putin. A guerra da Ucrânia mostrou justamente o contrário.

Realistas sabem que interesse nacional e poder governam um mundo sem ordem central. A estrutura é anárquica. A Rússia agiu para sobreviver. A Ucrânia, ao buscar autonomia, tornou-se um alvo. Tucídides narrou o destino de Melos, destruída por Atenas por sua neutralidade: os mais fracos não decidem seu futuro. A Ucrânia repete essa lição. A retórica liberal de democracias contra autocracias simplifica a luta trágica por domínio e poder.

Trump aborda a guerra com pragmatismo realista. Mearsheimer observou: “Trump deixou claro que vai fazer um acordo com os russos”. Ele usa a resistência ucraniana para desgastar a Rússia sem comprometer tropas americanas. Não oferecerá garantias de segurança. Isso ficou evidente na reunião com Zelensky. A Europa percebe a realidade após a Guerra Fria. Países que reduziam arsenais agora se rearmam. Nada como entender que depender energeticamente do inimigo cobra um preço. A ordem liberal é frágil.

O resultado da realidade é o desencanto. Garantias internacionais falharam. Nações menores aprendem que só o poder – próprio ou de aliados – assegura a sobrevivência. Mearsheimer até prevê um cessar-fogo, não a paz: “A guerra vai acabar, mas (...) você terá um cessar-fogo, não um acordo de paz genuíno”. Eu concordo. A Ucrânia pode resistir com o heroísmo de seu povo, mas, contra um inimigo mais forte e contra ogivas nucleares, só haverá mais tragédia.

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O realismo ofensivo me ajudou a abandonar ilusões. Na guerra, a justiça não vence. Prevalece quem defende melhor seus interesses, quem é mais forte. A Ucrânia, como Melos, sofre por sua geografia. O Ocidente, com seus ideais iluministas e fé no progresso da humanidade, fracassa. Quando penso nesse conflito, lembro-me do que Tucídides e Maquiavel sempre souberam: num mundo anárquico, a força determina o destino. Os fracos, por mais dignos que sejam, carregam o fardo das consequências.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]