Embora eu mesmo desfrute de algum entusiasmo com os avanços da tecnologia, não escondo meu constrangimento quando me deparo com excessos de otimismo com relação aos poderes da Inteligência Artificial. Nessas horas, um pouco de pessimismo não faz mal a ninguém. Não sei se o termo "pessimismo" seja o melhor aqui. Não se trata de alarmismo. Como eu disse, também desfruto de tudo aquilo que a tecnologia tem a nos oferecer e sou eternamente grato por quem criou o banho quente, redes elétricas, internet, Playstation...
O que eu gostaria de expressar é algo muito mais simples e que tem a ver não com quem cria tecnologia, mas com quem tenta compreendê-la: a Inteligência Artificial não pensa. Ela executa tarefas e processa informações como nenhum outro ser humano foi capaz de fazer. Mas pensar? Desculpe, Yuval Harari, pensar não. Precisamos melhorar o uso que fazemos de certos termos no debate público: pensamento, inteligência, tecnologia, ciência, etc. As capacidades de autocompreensão, liberdade e autodeterminação humanas não podem ser reduzidas a processar dados e criar novas ideias.
A Inteligência Artificial não pensa. Ela executa tarefas e processa informações como nenhum outro ser humano foi capaz de fazer. Mas pensar? Desculpe, Yuval Harari, pensar não.
O autor de Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã e Sapiens - Uma Breve História da Humanidade acredita que um dia a IA não só pensará coisas novas, como será capaz de escrever uma nova Bíblia. Em uma entrevista recente, ele diz:
É a primeira tecnologia capaz de criar ideias novas. A máquina de impressão, o rádio e a televisão transmitiam e espalhavam ideias criadas pelo cérebro humano, pela mente humana. Eles não podiam criar uma ideia nova. Gutenberg imprimiu a Bíblia em meados do século XV. A máquina de impressão imprimiu o número de Bíblias que Gutenberg mandou imprimir. Mas [a máquina] não criou uma única página nova. [A máquina] não tinha ideias próprias sobre a Bíblia: se é boa ou má, como interpretar isto ou aquilo. Porém, em relação à IA, ele afirma: A IA cria ideias novas. Consegue até escrever uma nova Bíblia. Ao longo da história, as religiões sonharam com um livro escrito por uma inteligência sobre-humana, por uma entidade não humana. Todas as religiões afirmam que os livros das outras religiões foram escritos por humanos, mas não o livro delas. O delas veio de uma inteligência sobre-humana. Dentro de poucos anos, pode haver religiões que estão de fato corretas. Pense em uma religião cujo livro é escrito por uma IA. Isso pode ser uma realidade daqui a poucos anos.
Note a contradição. Segundo Harari, num tom que não esconde a imaginação profética, todas as religiões até aqui consideram os livros sagrados de religiões concorrentes meros livros escritos por seres humanos. O livro de uma religião que se considera a verdadeira religião foi escrito por uma entidade não humana, por uma "inteligência sobre-humana". Contudo, todas as religiões até agora estão erradas. Todos os livros religiosos até aqui foram escritos por humanos pretensiosos. Uma nova era chegou, pois o verdadeiro livro sagrado poderá ser escrito por uma Inteligência Artificial. Em suma, a religião correta é a que eu anuncio para a humanidade. Todas as outras foram escritas por mãos humanas.
O que Harari não compreende, pelo menos no trecho desta entrevista, é o seguinte: pensar não significa apenas criar ideias novas. O pressuposto equivocado de Harari é acreditar que o pensamento humano, principalmente em relação à mortalidade e à busca de sentido último, consiste em um processo sofisticadíssimo de tratamento de informações e administração de dados.
É de fato encantador a forma como a Inteligência Artificial resolve equações, joga xadrez, cria imagens, tabelas, escreve livros e organiza o sistema de trânsito. Entretanto, a natureza do pensamento humano vai além, muito além. O principal erro aqui é identificar inteligência como a capacidade humana de pensar. E a capacidade de pensar com a capacidade de compreender, aprender, raciocinar, resolver problemas e adaptar-se a novas situações. Pensar, neste contexto limitado, significa a habilidade de processar informações, aplicar o conhecimento adquirido e tomar decisões efetivas. Ora, você até pode chamar tudo isso de "pensamento". O problema é reduzir toda forma de pensar a isso. Aí fica mesmo fácil supor que um dia a IA criará uma religião verdadeira e você será o novo profeta.
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