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Introdução à arte de ler textos argumentativos (parte 2)
| Foto: Nile/Pixabay

A fim de apresentar como desenvolvemos alguma técnica consistente para a leitura de textos argumentativos, iniciei esta série com uma distinção importante: textos argumentativos são diferentes dos textos narrativos-expressivos. Parece preciosismo enfatizar essa diferença, mas muita gente lê textos argumentativos com a expectativa de ter boas reações emocionais, quando, na verdade, um texto argumentativo jamais poderá satisfazer esse pouco exigente requisito.

Claro que alguém poderia objetar dizendo que “há belos argumentos que foram usados contra você” num debate. Não à toa, a experiência argumentativa tangencia a experiência estética dos jogos de batalhas. Ler uma boa linha de raciocínio e acompanhar a refutação implacável de uma tese aparentemente irrefutável propiciam momentos de muito prazer – posso garantir. Bons debatedores sabem e usam isso a seu favor para cantar a vitória. Mas esse é um componente cultural da experiência discursiva. Em termos objetivos, do ponto de vista da estrutura e finalidade do texto argumentativo, a coisa não é bem assim.

Pensando nesse problema, outra diferença que eu gostaria de desenvolver um pouco aqui é com relação ao fato de que textos argumentativos também não cumprem funções descritivas. Certamente você já leu alguém dizendo “contra fatos não há argumentos”, como se o ato de apontar para um evento na realidade fosse o suficiente para validar o próprio ato de argumentação. Descrever fatos consiste numa capacidade linguística que cumpre outras funções e, embora seja fundamental na elaboração de premissas, ela propriamente não valida argumentação.

Muita gente lê textos argumentativos com a expectativa de ter boas reações emocionais, quando, na verdade, um texto argumentativo jamais poderá satisfazer esse pouco exigente requisito

A função descritiva da linguagem se refere à apreensão de estado de coisas dos mais variados tipos, níveis de complexidade e duração. Nesse sentido, há um princípio que pode ser chamado de “princípio de unificação discursiva” ou simplesmente “tópico descrito”. Um tópico descrito pode ser todo conjunto de objetos passível de reconhecimento mutuamente válido, ou seja, ele é aberto à observação de terceiros – com exceção, obviamente, dos estados psicológicos, reservados apenas à vida interior.

Isso significa que textos descritivos podem ser validados pela observação. São assim, por exemplo, as notícias, mas também a exposição do saber numa determinada área do saber. Não à toa, o físico descreve fatos físicos; o biólogo, fatos biológicos, o sociólogo, fatos sociológicos e assim por diante. A linguagem científica tem muito a ver com o poder de descrição de estados de coisas cada vez mais complexos, em vários níveis da observação – que vão do micro ao macro, do quântico ao cosmológico.

A leitura de textos descritivos não espera que o leitor se coloque no ponto de vista subjetivo. Ao contrário, a finalidade desse tipo de texto é a de alcançar níveis cada vez mais precisos de objetividade. De qualquer maneira, descrever não significa explicar. Desde Aristóteles, a ideia padrão de conhecimento – demarcado pelos critérios de universalidade – é, justamente, explicar a realidade em sua singularidade. Não basta dizer que as coisas são assim e assim, é ainda preciso dizer o porquê de serem assim e assim.

Em termos de leitura, a capacidade descritiva é o primeiro passo para demostrar o caminho do conhecimento, mas não o suficiente. Porque eu poderia fazer um inventário de toda realidade que se apresenta para meu horizonte de experiência – apontando com precisão cirúrgica os fatos – e ainda não poderia afirmar que “conheço isto e isto”. Em vista disso, o mero ato de relatar experiências, sobretudo experiências pessoais, não quer dizer muita coisa em termos de conhecimento.

A função da linguagem descritiva nos coloca diante de algo importante com relação à comunicação em dois níveis: o fato de a validade do texto descritivo ter abertura pública, ou seja, estar disponível para verificação. Se for direta, exige níveis inferiores de checagem; se for indireta, o domínio de metodologias sofisticadas de investigação. Essa característica da abertura pública poderia ser chamada simplesmente de princípio de objetividade, por fazer referência a um estado de coisas disponível a qualquer um para “visualizar”. No próximo texto, mostrarei a importância desse princípio para a formação da regra básica de um texto argumentativo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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