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Introdução à arte de ler textos argumentativos (parte 3)
| Foto: congerdesign/Pixabay

No meu último texto, apresentei uma distinção básica entre textos descritivos e textos argumentativos. Mostrei também que a função descritiva da linguagem traz, com a finalidade de superar o aspecto subjetivo do texto narrativo-expressivo, o tema da objetividade para o centro do problema da leitura. Nesta terceira parte, apresentarei aquilo que considero indispensável na leitura e construção do texto argumentativo: a definição do argumento. Porque é justamente em virtude de uma definição precisa que surgirá o tema da correção. Assim, conseguiremos demarcar o espaço, vamos chamar assim, institucional do argumento.

Ou seja, ao definir com precisão a natureza do argumento, também devemos demarcar o espaço social da argumentação. Por espaço social entendo o ambiente institucional onde os argumentos são oferecidos, validados e corrigidos. Chamo de ambiente institucional por ser regido e constituído a partir de regras próprias, o que impõe a toda forma de argumentação um método específico que satisfaça as exigências de cada ambiente. Afinal, a relação familiar entre pai e filho é diferente da relação escolar entre professor e aluno, que, por sua vez, se distingue da relação acadêmica entre pares membros da comunidade científica, assim como a relação comercial de um corretor de imóveis não pode ser comparada com a estratégia de um político para pedir votos e muito menos com a decisão de um juiz avaliando argumentos num tribunal.

Se argumentar significa oferecer justificativas racionais, então não pode significar compartilhar experiências e sentimentos. Aliás, o maior problema do debate público, hoje, é chamar de “argumento” a exposição de sentimentos

Em geral, argumentamos a fim de resolver controvérsias no dia a dia. Cada ambiente social tem controvérsias específicas. Deste modo, o objetivo de um texto argumentativo é sustentar a tomada de posição – a tese – diante de uma questão em disputa. Há muitos tipos de “problemas” e eles se impõem nos mais diferentes âmbitos de nossa vida: do familiar ao político, do científico ao religioso, do comercial ao jurídico e médico. Por exemplo, desde ter de demonstrar para os meus filhos as vantagens de fazer a tarefa de casa antes de jogar videogame até negociar com o feirante o valor do peixe, nós precisamos usar a argumentação. Assim como usamos argumentos para discutir casos-limite, como aborto e legalização das drogas até o fundamento da fé na existência de Deus.

O mais importante neste contexto do espaço institucional da argumentação consiste em compreender que a função argumentativa da linguagem sempre fará referência à tomada de posições não atestáveis imediatamente, mas que se colocam na pretensão de validade objetiva. Por não ser atestável com o mero relato descritivo, toda tomada de posição é passível de dúvidas, questionamentos, críticas e contraditórios. Ora, nesse caso, argumentar se impõe como exigência de elaboração racional, isto é, como mediação de uma forma lógica e suas regras de inferência para sustentar determinada posição diante de controvérsias dos mais variados tipos. A função argumentativa da linguagem estabelece os meios para elaboração de consensos numa discussão ou negociação.

Em suma, gostaria de oferecer uma definição muito básica para argumento: argumentar é oferecer justificativas racionais a fim de fundamentar a posição diante de uma controvérsia. Pode parecer simplório, mas isso implicará inúmeras coisas.

Se argumentar significa oferecer justificativas racionais, então não pode significar compartilhar experiências e sentimentos. Não há círculo de afetos e sororidade no mundo que fundamente uma tese e sustente boas conclusões. Aliás, o maior problema do debate público, hoje, é chamar de “argumento” a exposição de sentimentos – como tenho insistido. Não há qualquer validade argumentativa no ato de compartilhar dramas ou conquistas pessoais. Assim como também não é argumento a mera afirmação taxativa de perspectivas a respeito de um assunto. Notem que, no primeiro caso, temos a função narrativo-expressiva; e no segundo, a descritiva.

Uma das mais objetivas, concisas e precisas definições de argumento foi dada por Anthony Weston no seu belo livrinho A construção do argumento: “argumentos são tentativas de fundamentar pontos de vistas com razões”. Simples assim. O que se depreende dessa definição será decisivo para pensarmos no contexto social da argumentação: há argumentos que são melhores que os outros. Alguns podem ser bem fundamentados; outros, não. Mas quem e como se decide que um argumento é melhor e mais bem-sucedido do que outro? Como validar ou invalidar uma posição? Essas perguntas eu responderei no próximo texto.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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