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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

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Introdução à arte de ler textos argumentativos (parte 4)

(Foto: PublicDomainPictures/Pixabay)

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Encerrei a terceira parte dessa série com duas perguntas fundamentais acerca do texto argumentativo: ao considerar o fato de que argumentos são objetivos, quem e como se decide que um argumento é melhor e mais bem-sucedido do que outro? Como validar ou invalidar uma posição? Essas perguntas presumem que não só há argumentos melhores que os outros, como também que há maneiras de validar e invalidar uma determinada tese. Numa palavra: bons argumentos sustentam conclusões legítimas; maus argumentos não.

Entretanto, antes de definir quais critérios objetivos devem ser utilizados para a construção de bons argumentos (deixarei isso para os dois próximos textos desta série), eu apresentarei uma distinção dos espaços institucionais para a construção e correção de certos tipos de argumento. Destacarei apenas dois: o espaço acadêmico e o espaço público. Claro que há outros ambientes, como o jurídico, o comercial e o político. Numa perspectiva sociológica, cada um desses ambientes possui regras próprias. Limitarei tal distinção a argumentos produzidos na academia e no debate público, pois ela diz respeito a justificativas de posição com pretensões de verdade independentemente da autoridade de quem decide.

Por exemplo, no tribunal, a argumentação forense busca convencer o juiz; no ambiente comercial, a discussão gira em torno de convencer o cliente a comprar o produto; já no político, os argumentos têm como objetivo a conquista de votos para o consenso democrático. Nesses casos, em última instância, a validade dos argumentos vem das autoridades do juiz, do cliente e do cidadão (no parlamento do político profissional). Ou seja, não são autorizados pela própria estrutura objetiva do argumento, mas pela decisão, objetiva ou não, de alguém revestido do poder de decisão. Nesses ambientes, pôr argumentos na balança faz todo o sentido.

Quem corrige ou identifica a validade ou invalidade de argumentos no espaço acadêmico e no espaço público, visto que a autoridade não está representada por alguém?

Mas o cenário se altera completamente quando se discute se uma tese é verdadeira e não há a autoridade de alguém para bater o martelo e determinar: “sim, bons argumentos, essa tese é verdadeira!”. O espaço acadêmico e o espaço público produzem argumentos cuja validade não pode ser determinada pela decisão forense, econômica ou política. Ora, mas quem corrige ou identifica a validade ou invalidade de argumentos no espaço acadêmico e no espaço público, visto que a autoridade não está representada por alguém? Um bom leitor de texto argumentativo não pode prescindir dessa pergunta.

Esses dois ambientes, por mais distintos socialmente que sejam, têm um ponto em comum importante: a autoridade dos argumentos não vem de elementos externos. Não vem do juiz interpretando um caso e aplicando lei, não tem fundamento na satisfação do cliente e tampouco se determina pela vontade do cidadão em ser representado por certas ideias políticas. Ao contrário: vem, portanto, da objetividade do próprio argumento, das regras lógicas objetivas da argumentação.

No espaço acadêmico, além disso, a objetividade precisa ser demarcada pelo critério de verdade de cada metodologia científica. Ler textos acadêmicos demanda o conhecimento específico de cada área técnica. São textos produzidos por especialistas para serem lidos e criticados por outros especialistas da mesma área de conhecimento. Eu não sou especialista em cirurgia de joelho, assim não tenho capacidade técnica de avaliar um artigo acadêmico escrito por um especialista em cirurgia de joelho. O cirurgião de joelho submete suas pesquisas acadêmicas para serem lidas e corrigidas por uma comunidade de cirurgiões de joelho: a comunidade acadêmica de especialistas que fará a revisão por pares(peer review).

Além dos critérios fundamentais da lógica da pesquisa científica, o espaço acadêmico é um espaço protegido por critérios metodológicos demarcados por cada especialidade. Por isso é tão difícil um leigo entender artigos acadêmicos. Eu não me atrevo a ler e criticar textos de física quântica, neurociência e todos os outros textos que não fazem parte da minha especialidade acadêmica. Para vocês terem uma ideia, academicamente só me sinto confortável a julgar textos de uma certa área da filosofia conhecida como pragmatismo e olhe lá.

No caso do debate público, a objetividade de um argumento já não pode ser demarcada pela especialidade científica. Se fosse assim, a esfera pública seria construída apenas por uma elite científica – tal como os positivistas sonharam em construir: ocupar o ambiente democrático com tecnocratas.

A característica social do espaço público é a sua abertura para correção. Se autoridade de um argumento não vem da especialidade acadêmica, então se fundamenta em quem, a não ser na própria razão pública? Embora a natureza da esfera pública se expresse pelo rico pluralismo de ideias, não se pode alegar a vitória do anarquismo relativista de opiniões antagônicas. Por isso insisto: se textos argumentativos produzidos na esfera pública dão razões de suas posições, então a grande pergunta que sempre devemos fazer é: quais critérios validam a argumentação de textos argumentativos não acadêmicos, isto é, produzidos no debate público?

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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