Pode não ter o Nobel, mas agora o Brasil já tem uma santa para chamar de sua. Santa dedicada aos pobres. Santa Dulce dos Pobres. Irmã Dulce foi canonizada no último domingo, 13 de outubro. Para quem não sabe, Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, nascida em Salvador em 1914 e falecida em 1992, criou uma série de instituições de caridade, dentre as mais importantes está o Hospital Santo Antônio. Um exemplo de vida dedicada às obras de caridade.
Irmã Dulce adaptou o galinheiro do Convento Santo Antônio para atender quem precisava. As raízes históricas do Hospital têm origem no amor sobre-humano de Santa Dulce dos Pobres. Atualmente, o Hospital Santo Antônio está entre os mais importantes e equipados hospitais do Norte e Nordeste do país. E tem gente que passa a vida reclamando dos outros, se vitimizando e esperando que alguma coisa seja feita por seu político de estimação. Histórias como as de Irmã Dulce são inspiradoras em muitos sentidos.
A Igreja Católica reconhece que a dedicação de Irmã Dulce aos pobres tinha raiz no “sobrenatural e do alto recebia forças e recursos para realizar um maravilhoso serviço”. Não duvido e me comovo. Dificilmente alguém dá de ombros para o trabalho de mulheres como Irmã Dulce. Ela nos ensina as virtudes da humildade e da coragem ao mesmo tempo em que nos inspira a viver a vocação da vida espiritual.
Qual o problema de uma santa dedicada aos pobres ser considerada empreendedora?
Santa Dulce dos Pobres não agia como uma ativista barulhenta exigindo “direitos”, porque a grandeza de suas ações estava acima de tudo no silêncio interior de uma vida de oração e amor a Cristo. A assistência aos mais necessitados não se fecha para questões de ordem social, econômica ou política. Pelo contrário, manifesta-se como pura abertura de amor e fé. Via na carne de cada enfermo que ajudava a carne do próprio Jesus.
No entanto, também não duvido ser possível interpretar a dedicada vida de Irmã Dulce de atenção aos mais necessitados a partir da ideia de “empreendedorismo”, como fez a Deputada Tabata Amaral, do PDT-SP. E me comovo com a quantidade de ataques que a Deputada recebeu só por expressar um sentimento sincero a respeito do trabalho da Santa. Como se o status social de um santo jamais pudesse estar em conformidade com o status social de um empreendedor.
Em sua conta no Twitter, Tabata Amaral escreveu: “Me enche de orgulho que a Irmã Dulce tenha sido a primeira brasileira a ser canonizada. Santa Dulce dos Pobres era baiana e, com seu empreendedorismo e fé, deu atendimento de saúde a milhares de brasileiros. Nunca deixou que sua própria saúde frágil a impedisse de se doar”. E completou: “Considero que [Irmã Dulce] teve um espírito empreendedor, mão na massa, o que aumenta minha admiração pelo trabalho caridoso que ela desenvolveu com tanto amor e dedicação”.
Não deu outra, Tabata Amaral recebeu uma enxurrada de ataques questionando o uso do termo “empreendedor” em referência a Santa Dulce dos Pobres. Destaco apenas um comentário por sintetizar bem o problema. Escandalizado, o autor do texto diz: “Meu deus! [Tabata] insiste em falar em ‘espírito empreendedor’ da irmã. Essa galera não entendeu nada do evangelho. A deputada tem mesmo é fé no dogma neoliberal. Isso sim. Cruz e credo”.
Curiosamente, em um texto de 17 de outubro de 2014, o próprio site oficial Obras Sociais Irmã Dulce já mencionava a expressão adotada por Tabata: “Uma empreendedora nata, educadora, mãe, filha e irmã amada, anjo e santa, enfim, uma mulher amadurecida na fé que nos ensinou o idioma universal do amor, do serviço e da concórdia”. Ou seja, não é de hoje e nem por quem supostamente prega o “dogma neoliberal” que Santa Dulce do Pobres era reconhecida como “empreendedora”.
O pressuposto comum a toda controvérsia gerada pelo post da Tabata mostra qual a imagem as pessoas fazem do “empreendedor”. Para elas, é como se o empreendedor não pudesse ser tomado pelo espírito de genuína caridade. Afinal, qual o problema de uma santa dedicada aos pobres ser considerada empreendedora? Na verdade, só há um probleminha: o empreendedor é o próprio diabo.
É disso que se trata, na verdade. Na cabeça de muita gente, empreender é capitalista. E capitalista só pensa em se enriquecer à custa dos mais necessitados. Um capitalista não passa de um porco egoísta. Para ele ser rico, os pobres ficaram mais pobres. Conclusão, por ser santa e ainda por cima santa dos pobres, Irmã Dulce jamais poderia ser associada aos “empreendedores”. O raciocínio ofusca de tanta clareza. E por falar em “luz”, isso me fez lembrar da constrangedora frase de Leandro Karnal, “Lúcifer é o primeiro empreendedor de todos”.
Para fechar esse texto, gostaria de citar um excelente trecho do livrinho do Padre Robert A. Sirico, O Chamado do Empreendedor (Editora LVM, 72 páginas). Ele faz o seguinte alerta: “a despeito da atitude louvável da cultura popular contra os preconceitos de qualquer espécie, resta um grupo ao qual foi aberta, extraoficialmente, a temporada de caça: os empresários”. Porque é disto que se trata: até podemos ter uma santa dos pobres, mas será inaceitável que ela tenha desenvolvido a virtude dos empresários.
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