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Imagem ilustrativa.| Foto: Christo Anestev/Pixabay

Sou pai de três crianças, todas nascidas após 2009. Elas pertencem a uma geração que desconhece o prazer de brincar na rua, algo que marcou minha infância e, com certeza, de muitos dos meus leitores. Lembro-me de passar horas jogando bola, andando de bicicleta e inventando e zoando com os amigos do bairro. Pergunto-me: era uma época de mais liberdade? Tenho cá minhas dúvidas. Só sei de uma coisa: hoje, meus filhos passam o tempo livre com a cara enfiada no celular. É um contraste constrangedor entre uma infância baseada no brincar e uma vivida em redes sociais e joguinhos eletrônicos. Não sou saudosista e tampouco especialista em psicologia social; sou um pai preocupado.

Então, recorri a especialistas. As férias me dão a liberdade de ler coisas que não são da minha área de atuação. Como professor, também me preocupo com essa geração “dancinha do TikTok”. Foi nesse contexto que me deparei com o livro de Jonathan Haidt A Geração Ansiosa, recém-publicado pela Companhia das Letras. Haidt oferece uma análise detalhada sobre os efeitos de uma infância digitalizada. Ele explora como a relação paradoxal entre superproteção e o uso excessivo de dispositivos eletrônicos transformou uma geração inteira. Não há precedentes na história humana. Nossos filhos estão ansiosos e, além disso, são incapazes de enfrentar desafios. O livro de Haidt me trouxe reflexões sobre o que meus filhos enfrentarão. Lendo o livro, sinto que fiz muitas coisas erradas. O diagnóstico de Haidt não é totalmente pessimista; ele traz lições para que possamos consertar isso.

A superproteção e o uso excessivo de dispositivos digitais estão criando uma geração mais vulnerável emocionalmente e menos preparada para os desafios da vida adulta

Jonathan Haidt é um psicólogo social e professor na Universidade de Nova York, conhecido por suas contribuições ao estudo da moralidade, política e comportamento humano. Embora suas obras sejam bastante científicas, Haidt tem se destacado por seu trabalho acessível ao público em geral. Antes de A Geração Ansiosa, eu já havia lido A mente moralista, publicado em português em 2020 pela editora Alta Cult. Recomendo-o fortemente. O tema do livro é o que traz o próprio subtítulo: Por que pessoas boas são divididas por política e religião? Aqui, ele investiga a origem psicológica dos julgamentos morais. Haidt defende que nossas intuições morais são, em grande parte, instintivas e precedem o raciocínio consciente. Ele propõe que o julgamento moral é impulsionado por emoções intuitivas, que ele chama de o elefante, enquanto o raciocínio serve mais como uma justificativa post hoc, o cavaleiro, para explicar ou defender essas intuições.

Em A Geração Ansiosa, Haidt examina a chamada “Geração Z”. Pessoalmente, não gosto muito dessa classificação geracional; mas, para o leitor se situar, o esquema é o seguinte: a Geração Z inclui aqueles nascidos a partir de 1995. Esses são aqueles que cresceram completamente imersos na era digital. Antes deles, temos os Millennials, nascidos entre 1981 e 1994, que testemunharam a transição da era analógica para a digital. A Geração X (que é a minha), nascida entre 1965 e 1980, só começou a abraçar a tecnologia no fim da década de 80. Ou seja, crescemos brincando na rua e por isso valorizamos as interações pessoais e físicas. Antes de todos, temos os Baby Boomers, nascidos entre 1946 e 1964, uma geração marcada pelo pós-guerra e pela revolução cultural dos anos 60. Essas classificações, embora imperfeitas, ajudam a compreender as diferenças culturais e comportamentais que surgiram ao longo das décadas.

Jonathan Haidt demonstra como a superproteção e o uso excessivo de dispositivos digitais estão criando uma geração mais vulnerável emocionalmente e menos preparada para os desafios da vida adulta. Haidt argumenta que a combinação de uma educação excessivamente protetora e a exposição constante às redes sociais gerou um aumento significativo nos índices de ansiedade e depressão entre os jovens da Geração Z. Ele chama a atenção para o fato de que estarmos “superprotegendo nossos filhos do mundo real e não os estamos protegendo o bastante da internet”.

O livro explora o pano de fundo dessa transformação, que ele chama de a Grande Reconfiguração, acontecida a partir de 2010. Nesse ponto, ele explica os prejuízos do declínio da infância baseada no brincar e a ascensão da infância baseada no celular. Haidt aponta que, em gerações anteriores, as crianças passavam grande parte do tempo explorando o mundo, interagindo com outras crianças e desenvolvendo habilidades sociais e emocionais através do brincar. Com o aumento da supervisão dos pais e a redução das oportunidades de brincar de forma independente, essas experiências têm se tornado cada vez mais raras. E isso, segundo ele, contribui para o desenvolvimento emocional desequilibrado dos jovens.

Essa nova realidade, marcada pela constante conexão com as redes sociais e o entretenimento digital, tem transformado a forma como as crianças e adolescentes interagem com o mundo. Haidt alerta que essa dependência tecnológica está substituindo experiências essenciais de vida. A Grande Reconfiguração afeta o bem-estar mental e emocional dos jovens. Porém, em termos sociais, inclui uma ênfase crescente na proteção dos estudantes de ideias e discursos considerados potencialmente ofensivos ou perturbadores. O efeito nocivo é o enfraquecimento da capacidade de lidar com conflitos e desafios intelectuais. Em vez de aprenderem a debater e refutar ideias, os jovens são incentivados a evitar ou censurar discursos controversos. Além de ansiosa, a geração é de mimados intolerantes.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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