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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Marxismo e identitarismo

A nova guerra de todos contra todos

Monumento a Karl Marx na cidade alemã de Chemnitz. (Foto: Bigstock)

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Como vocês sabem bem, e espero que tenham certeza disso, eu não sou marxista. Contudo, sem pesar e apesar disso, reconheço que a teoria crítica de Marx oferece uma perspectiva de compreensão da realidade social muito mais séria e substantiva do que essas contemporâneas bobagens focadas em identidade racial e de gênero. Não que o marxismo não tenha lá produzido suas tragédias.

Karl Marx, de fato, pressupunha que o motor da história é o conflito na classe, cujo dinamismo tinha como fundamento as relações materiais de natureza econômica. Em Marx havia uma base objetiva. Sua filosofia crítica buscava compreender e “revolucionar” as formas de exploração na sociedade industrial capitalista, que, segundo ele, prometia liberdade e entregava miséria e opressão. Para isso, Marx estudou detalhadamente a natureza do trabalho. O homem produz a si mesmo pelo trabalho. E o trabalho constitui a forma humana de transformar a natureza. Mas por que, mesmo após uma longa história, o homem não é livre? Porque, de alguma forma, ainda é explorado.

Diferentemente do marxismo tradicional, que buscava, acima de tudo, ser científico, o identitarismo racial é pura expressão de ideologia, que reduz dramas complexos a abstrações simplórias e imaginárias. Ora, a raça é uma construção moderna, pseudociência que produziu e legitimou a destruição de inúmeras vítimas no século 20. As teorias políticas identitárias, ao centrarem a análise na identidade racial como principal fator de organização social, estão reproduzindo o discurso que visam combater.

Diferentemente do marxismo tradicional, que buscava, acima de tudo, ser científico, o identitarismo racial é pura expressão de ideologia, que reduz dramas complexos a abstrações simplórias e imaginárias

Um parêntese. Paradoxalmente, no que diz respeito à sexualidade, os ativistas da identidade apelam para a fluidez do desejo e negam que o suporte biológico da realidade humana possa determinar parte da nossa natureza. Para a raça, serve o suporte biológico; para o sexo, não. Gênero e sexo são dois absolutos. O primeiro é a expressão da cultura, nada mais do que uma construção social; o segundo, irrelevante. A biologia, neste caso, não imprime ao ser humano nada além de uma materialidade passiva e maleável. A identidade de gênero é fruto pura e simplesmente da subjetividade. Chamaria de “solipsismo do gênero”.

Para o solipsista, “somente eu existo” ou “somente minha mente subjetiva existe”, e todas as percepções externas não são nada além de construções da própria experiência subjetiva. Em outras palavras, para o solipsista, o mundo externo e outras mentes podem não existir fora da própria consciência dele. Já para o “solipsista do gênero”, as experiências de masculinidade, feminilidade ou qualquer outra identidade de gênero seriam conceitos criados e mantidos unicamente pelo próprio desejo mental do indivíduo.

O absurdo chega a ser tão grande que os ativistas dessas políticas querem apagar do vocabulário o termo “mãe” e substituí-lo por “pessoa que pariu” ou “pessoa que gesta”. Ora, não há ideologia no mundo que possa mudar o valor de verdade e o significado desta belíssima palavra da língua portuguesa: “mãe”. Ao pesquisar outras raízes etimológicas, encontrei uma variedade para “mãe” em línguas africanas: “Mama”, em swahili; “Umama”, em zulu; “Maame”, em acã. Mas nada se compara a “Amai”, em xonas. No Brasil, a diversidade linguística dos povos originários é imensa. Para “mãe”, particularmente, gostei de “sy”.

Porém, o atual governo, que afirma preservar a memória dos povos marginalizados, adotou o termo “pessoa que gesta” em substituição a “mãe”, em virtude de seu compromisso com a esquizofrênica ideologia importada dos neocolonizadores. Fecho parêntese.

A teoria da identidade racial é, essencialmente, diferente da política da identidade de gênero. Para eles, a identidade racial determina o indivíduo. Não somos da classe economicamente determinada, somos de uma raça etnicamente construída. No caso, aqui, mantém-se o conflito e as abstrações.

Marx abstraiu a experiência humana quando categorizou nossa experiência social em “classes” economicamente determinadas. Os racialistas identitários reduzem os indivíduos a representantes homogêneos de dois grandes grupos: brancos opressores, negros oprimidos. O resultado não poderia ser outro a não ser o de fragmentar a experiência social e atirar todos na ressentida e beligerante guerra de todos contra todos.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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