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Depois de muitos anos, revi Ben-Hur, o épico de 1959 dirigido por William Wyler. Charlton Heston, que eu ainda tenho dificuldades de desassociar de Moisés, dá vida à trajetória de Judá Ben-Hur, um rico judeu traído pelo amigo de infância, o tribuno romano Messala. A primeira vez que assisti a Ben-Hur foi em uma pequena televisão colorida de 20 polegadas. Por influência de minha piedosa mãe, eu adorava épicos como Quo Vadis e Os Dez Mandamentos. Atualmente, resolvi rever essas obras em uma SmartTV 4K de 65” de alta tecnologia. Não desgrudei os olhos durante as mais de três horas de duração. É de tirar o fôlego. Com tanta porcaria woke no mercado e filmes repletos de efeitos visuais de fundo verde, Ben-Hur supera seu tempo em todos os sentidos. Tanto em efeitos visuais e na música como na trama. Não à toa levou 11 Oscars, dentre os quais o de Melhor Filme, Diretor, Ator, Direção de Arte e Fotografia.
O filme narra a saga de Judá Ben-Hur, um nobre judeu que, após um acidente durante uma parada militar próxima à sua casa (acidentalmente, sua irmã derruba uma telha que acerta o governador), é injustamente condenado às galés – uma forma brutal de escravidão em que prisioneiros eram forçados a remar em navios de guerra romanos. Durante uma batalha naval, ainda enquanto escravo, Judá salva a vida do comandante romano Quintus Arrius, que, em gratidão, o adota como filho e o leva de volta a Roma. Equipado com novas habilidades, status social e recursos, Judá retorna à Judeia em busca de vingança contra Messala e para salvar sua família, que ele descobre estar condenada à lepra. Sua jornada é marcada por rápidos, porém transformadores encontros com Jesus Cristo, cujo rosto, curiosamente, nunca aparece no filme. A saga de Judá coincide com o nascimento, vida e morte de Jesus, sendo que ambos têm aproximadamente a mesma idade. Ambientado no início do século 1.º, Ben-Hur mistura drama pessoal com eventos históricos e explora temas universais como traição, vingança, redenção e fé. O ponto alto do enredo é a esperança na recuperação de sua mãe, Miriam, e sua irmã, Tirzah. Mas em termos de ação, a cena da corrida das bigas continua impressionante.
Parênteses para uma curiosidade. O filme Ben-Hur é baseado no romance homônimo de Lew Wallace, publicado em 1880. Wallace, que era um ateu convicto, começou a escrever a obra com o objetivo de refutar a divindade de Cristo e contestar os princípios do cristianismo. Decidido a estudar a fundo os Evangelhos e a história do cristianismo, Lew Wallace foi a fundo na pesquisa. Durante esse processo, encontrou evidências e argumentos que o levaram a reconsiderar suas opiniões. Resultado? Converteu-se ao cristianismo. Ben-Hur reflete essa transformação pessoal, entrelaça a vida de Judá Ben-Hur com eventos bíblicos e oferece uma narrativa que aborda temas de fé, redenção e a influência de Cristo.
Com tanta porcaria woke no mercado e filmes repletos de efeitos visuais de fundo verde, “Ben-Hur” supera seu tempo em todos os sentidos. Tanto em efeitos visuais e na música como na trama
Minha interpretação pessoal do filme Ben-Hur é a seguinte: ele pode ser analisado em três camadas narrativas distintas. Primeiramente, a camada política, que explora o domínio romano sobre os hebreus. Em segundo lugar, a camada moral, focada na complexa relação entre Judá e Messala. Por fim, a camada espiritual, na qual a vida de Cristo se entrelaça com toda a trama – não à toa a obra de Wallace se chama Ben-Hur: Um Conto do Cristo. Sem qualquer proselitismo ideológico, cada uma dessas camadas narrativas proporciona uma reflexão sobre o poder e a revolução, a amizade e a traição, a fé e a redenção.
A dimensão política é intensificada pelo conflito entre Judá Ben-Hur e Messala, que se torna o primeiro plano dramático do filme. Messala, que representa o poder imperial romano, não deve ser visto apenas como um mero antagonista da história. Nesse nível narrativo, ele é a chave que exemplifica a tática romana de manter o controle mediante cooptação e traição. Inicialmente, Messala busca reatar a antiga amizade com Judá na esperança de usá-lo como um intermediário para administrar e suavizar as tensões entre a ocupação dos romanos e a população hebreia, sobretudo a resistência. Essa tentativa de Messala de envolver Judá em seus esquemas representa, além de um interesse pessoal de Messala para ascensão administrativa no governo, uma estratégia romana mais ampla de dividir para conquistar. A elite romana procura aliar membros influentes das comunidades subjugadas ao regime imperial para estabilizar o domínio romano. No entanto, o plano falha quando Judá se recusa a trair seu povo e a denunciar líderes e agitadores locais. Aqui a integridade e a lealdade a sua comunidade se destacam. A recusa de Judá em colaborar com os romanos marca o início de uma ruptura irreparável na relação entre os dois homens. Isso catalisa a subsequente traição de Messala, que falsamente acusa Judá e toda sua família de tentativa de assassinato contra um governador romano.
O conflito entre Judá e Messala desencadeia não apenas a narrativa de vingança pessoal que se segue, mas nesse nível ilustra bem a mentalidade imperialista. No fundo, a disputa entre os dois reflete a resistência dos hebreus contra a tentativa de submissão e assimilação forçada pelo Império Romano. A partir dessa traição, Judá é forçado a um caminho de sofrimento e servidão, que o transforma de um nobre judeu em um resistente ativo contra a tirania romana. Aqui entra o nível moral do filme, que dá vida a todo o enredo.
Essa camada narrativa é delineada pela relação tumultuada entre Judá e Messala. Nessa dimensão, o filme nos faz ponderar sobre a natureza e o preço da vingança. O que realmente conquistamos quando cedemos ao desejo de retribuir o mal com o mal? Há belos diálogos sobre isso no filme, principalmente entre Judá e Esther. Esta questão é exemplificada pelo percurso de Judá, que, movido inicialmente por um impulso de vingança contra a traição de Messala, encontra-se numa tortuosa jornada de autoconhecimento e reconstrução moral e espiritual. Aqui entra o amor como elemento de mediação. A personagem Esther tem uma função fundamental nessa mediação e reconstrução. E não se trata só de uma relação amorosa romântica para o cinema.
Esther é a filha do servo leal de Judá Ben-Hur, Simonides; ao longo da trama, ela desenvolve uma relação afetiva com Judá. Ela é a âncora que sustenta toda a consciência de Judá, em todos os níveis. É Esther que faz a conexão entre as camadas moral e espiritual da narrativa. Esther serve como o suporte emocional de Judá. No início, antes da condenação de Judá às galés, tratava-se apenas de um amor platônico (ela era pretendida de outro homem e Judá respeita isso). Entretanto, sua presença traz serenidade e perspectiva a Judá, especialmente nos momentos de maior angústia e conflito interior. É Esther que desempenha um papel significativo na conexão de Judá com o cristianismo. Na trama, ela é uma das primeiras a seguir Jesus e recitar trechos do Sermão da Montanha. É Esther quem persuade Judá a levar sua mãe e irmã, ambas afligidas pela lepra, até Jesus, na esperança de um milagre. No entanto, Judá se depara com a paixão de Cristo e assiste a sua crucificação. A cena é linda! Chorei na primeira vez que assisti e chorei de novo.
Ao testemunhar o perdão de Jesus aos seus algozes, Judá compreende a essência da misericórdia e do amor incondicional. Aqui já mergulhamos na camada espiritual da obra. Essa experiência de sacrifício e perdão ultrapassa o físico para alcançar o nível mais profundo de toda a vida humana ao promover uma cura não só na carne como na consciência. A paixão de Cristo transforma a visão de Judá sobre a vingança e resulta na cura milagrosa de sua mãe e irmã. O perdão demonstrado por Jesus pregado na cruz tem o poder de restaurar a saúde física e a harmonia daquela família antes destruída pela arrogância política dos romanos; porém, acima de tudo, o sangue derramado na cruz restaura toda a vida de Ben-Hur.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos