Viggo Mortensen no papel de Tom Stall em “Marcas da Violência”, de David Cronenberg.| Foto: Divulgação
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Marcas da Violência, dirigido por David Cronenberg, é um dos meus filmes favoritos. Ele ocupa um lugar privilegiado na minha estante de grandes filmes. Sou fã de Cronenberg desde o clássico A Mosca.

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Como o nome já indica, trata-se de um filme cuja história nos leva a refletir sobre como a violência é uma característica da natureza humana, suas marcas indissociáveis. Mas também é um filme sobre redenção e destino. Um filme sobre perdão.

A narrativa gira em torno de Tom Stall, um homem comum e pai de família, que se torna um herói local após defender seu pequeno restaurante de um assalto. O filme começa com uma sequência de cenas que indicam a brutalidade dos criminosos. Desde o início, somos confrontados com a perversidade niilista, o que cria uma tensão incomum quando eles entram na pequena propriedade de Tom.

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Por mais que alguém tente esconder o seu passado, certos aspectos da vida estão tão intimamente ligados à identidade de uma pessoa, e tendem a retornar quando provocados, que seria impossível falarmos em uma transformação moral verdadeira

No entanto, o ato heroico desencadeia uma série de eventos que trazem à tona o passado violento que Tom escondia. Diferentemente do que se possa pensar, Marcas da Violência não é um filme de ação ou suspense. Ele mostra o impacto da violência nas relações familiares e a possibilidade de redenção em um contexto moralmente ambíguo. Até metade do filme, não sabemos mais quem é Tom; desconfiamos de sua bondade e de seu protagonismo familiar. Às vezes me pergunto se a verdadeira protagonista não é a esposa dele, Edie. Ela, sim, é uma âncora moral da história.

No primeiro plano narrativo, Cronenberg explora a natureza da violência e sua relação intrínseca, porém ambígua, com a identidade de Tom. Ao ser forçado a reagir violentamente durante o assalto, ele revela habilidades que são inconsistentes com a vida tranquila e bondosa que aparentemente levava. Aos poucos, descobre-se que Tom não é quem diz ser, mas sim Joey Cusack, um ex-mafioso com um passado sangrento.

A violência, nesse sentido, é tratada não como um episódio isolado ou uma ação circunstancial; mais do que isso, ela fundamenta a própria natureza de Joey Cusack. O filme aponta que, por mais que alguém tente esconder o seu passado, certos aspectos da vida estão tão intimamente ligados à identidade de uma pessoa, e tendem a retornar quando provocados, que seria impossível falarmos em uma transformação moral verdadeira. Tom buscava redenção. Mas será que foi capaz de encontrá-la pela força de nossos atos? Há um detalhe no filme de que gosto muito: Tom está sempre com um pingente de crucifixo, que mal aparece.

O segundo elemento fundamental é a dualidade moral que permeia o protagonismo de Tom, especialmente no contexto das relações familiares. A dualidade de Tom – o homem que tenta ser um pai de família gentil e o violento Joey – cria uma tensão insuportável dentro de sua própria casa. Sua esposa, Edie, é forçada a confrontar o fato de que a pessoa com quem viveu durante anos não é quem ela pensava ser. Essa dualidade se reflete nas relações sexuais do casal ao longo do filme.

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No início, enquanto Tom, há uma cena de íntima conexão entre os dois, repleta de amor e desejo genuíno. Edie se fantasia de líder de torcida da época de sua adolescência para satisfazer uma fantasia de Tom, o que indica um momento de aventura e inocência. Já mais tarde, após a identidade de Joey ser revelada, a cena sexual se torna agressiva, um ato puramente carnal de paixão explosiva e carregada de culpa. Esse momento reflete a mudança na dinâmica entre eles, marcada pela quebra da confiança e pela força bruta que Joey carrega consigo.

Outro episódio interessante é a relação com o filho mais velho de Tom, Jack. No início do filme, Jack enfrenta bullying na escola e, por medo, evita o confronto. Contudo, à medida que os eventos violentos envolvendo seu pai se desenrolam, Jack se vê inspirado pela violência como meio de resolução. Ele acaba reagindo contra um colega que o provocava. Aqui penso na violência como um contágio, que é transmitido como o pecado. Essa evolução de Jack mostra como as ações do pai se tornam também as do filho. No clímax do filme, é o próprio Jack quem protege seu pai ao matar um mafioso que ameaçava Tom. Esse ato mostra o impacto da violência na vida de Jack e como, de certa forma, ele acaba assumindo o papel de protetor, repetindo o que aprendeu com o pai. Mas é uma violência que redime a relação de desconfiança entre os dois. A propósito, é uma cena brutal!

O perdão não é algo garantido ou fruto da própria vontade de Tom. Trata-se de um dom, inspirado pela própria graça e misericórdia

No terceiro plano narrativo do filme, Cronenberg apresenta o tema da redenção, com um enfoque especial na cena final, que simboliza a tentativa de reconciliação de Tom com sua família. Depois de matar seu irmão Richie – o último laço com seu passado como Joey –, Tom se lava no lago. Essa cena é profundamente simbólica, pois mostra claramente o pingente de crucifixo em seu pescoço, sugerindo um batismo: a morte de Joey e o renascimento de Tom. Em seguida, Tom retorna para casa fragilizado. Ao entrar na cozinha, ele encontra sua família reunida para o jantar. O silêncio é perturbador, pois não se sabe se a família estará disposta a perdoá-lo. Penso que Cronenberg utiliza o silêncio como ferramenta narrativa para ilustrar a dificuldade do próprio perdão. O perdão não é algo garantido ou fruto da própria vontade de Tom. Trata-se de um dom, inspirado pela própria graça e misericórdia.

O gesto da filha de Tom, que coloca um prato para ele na mesa, é fundamental nesse contexto. No filme, a filha é apresentada como uma figura angelical, símbolo do amor que unifica sua família. Certamente ela não conhece o passado de Tom, e por isso é um amor inocente. Ao colocar o prato na mesa, ela está, pela inocência de seu amor, reintegrando-o à família. Esse ato representa um primeiro passo em direção à redenção.

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Em termos narrativos, fechar o filme com a mesa de jantar é simplesmente genial. A refeição em família é o ritual cotidiano. Para o cristão, o altar de toda graça, do sacrifício salvífico de Cristo por nós. Obviamente, essa é a minha interpretação. Marcas da Violência encerra sua narrativa sem oferecer uma solução definitiva. Trata-se de um vislumbre de esperança.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]