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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Mídias sociais

Napoleão sempre tem razão – ou: por que tanto medo das Notas da Comunidade?

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Mark Zuckerberg decidiu mudar as regras do jogo. A Meta aposentou os “especialistas” em checagem de fatos e entregou aos usuários a tarefa de verificar informações. É o modelo Notas da Comunidade, já testado no X, de Elon Musk. O próprio Zuckerberg disse: a Meta quer voltar às “raízes da liberdade de expressão”. Traduzindo: menos censura, menos paternalismo; mais debate. Isso não é acabar com a checagem de fatos. Muito pelo contrário, é democratizá-la. Dar mais poder e responsabilidade aos usuários.

Precisamos aplaudir, gostei da mudança de postura. Notas da Comunidade é o sistema mais democrático de checagem de fatos que já vi. Retira o monopólio da verdade das mãos de uns poucos iluminados e o devolve aos usuários. Isso é democracia. Na democracia, quem define o que é verdade agora? Ninguém específico. E isso incomoda muita gente. Gente acostumada a decidir o que você pode e deve pensar. E, claro, quando falamos em “verdades” aqui, não estamos nos referindo a temas religiosos ou científicos. A esfera do debate público – e, portanto, suas exigências de validação da verdade – é diferente das verdades da fé e da ciência. Deixemos a filosofia de lado, por enquanto.

O que me interessa foram as reações ao anúncio de Zuckerberg, pois elas estão sensacionais. A cientista da computação Nina da Hora – até então eu não fazia a menor noção de quem era –, em entrevista ao Jornal das 10, da Globo, disse que a decisão é um retrocesso. Ela alegou que o modelo fragiliza o ambiente digital e que a checagem centralizada era essencial para combater a desinformação. Óbvio que é uma tremenda bobagem. Não confio em monopolistas da verdade. A gente sabe do estrago que eles podem fazer. O sistema de Notas da Comunidade não é perfeito, mas é melhor que concentrar poder em mãos de poucos ungidos. É preferível a imperfeição de muitas vozes à “precisão” de uma só. Numa democracia, até uma especialista em computação pode dar pitaco sobre o que é melhor para a democracia.

Uma democracia que precisa de polícia para regular opiniões já não confia em si mesma. Ou seja, não é democracia

E vejam só que beleza de opinião nada especializada ela deu. Nina da Hora também quer a intervenção do Judiciário. O mesmo Judiciário que flerta com a censura, bloqueia perfis e ameaça plataformas por não seguirem sua cartilha. Uma democracia que precisa de polícia para regular opiniões já não confia em si mesma. Ou seja, não é democracia. Podem chamá-la do que quiser. Podem chamar Nina da Hora ou o papa que isso não mudará.

A desculpa para isso é sempre a mesma: proteger o público. Outra bobagem. Quem controla a narrativa não protege ninguém além de si mesmo. George Orwell entendeu isso melhor do que ninguém. Em A Revolução dos Bichos, os porcos apagavam fatos, reescreviam histórias e repetiam lemas “pelo bem de todos”. No fim, só eles ganhavam. E, claro, o rebanho aplaudia: “Se é o que diz o Camarada Napoleão, deve estar certo”. Quando ouço falar que “Notas da comunidade é um retrocesso fascista”, só consigo pensar nos porcos e no rebanho de “especialistas” aplaudindo.

Manuela D’Ávila, fiel ao script da esquerda, também atacou Zuckerberg. Disse que ele está promovendo a “liberdade da extrema direita”. Foi além: associou as mudanças da Meta a ideias que ameaçam “instituições, democracias” e defendem “violência e tortura”. Um salto argumentativo impressionante; só faltou terminar: “Napoleão sempre tem razão”. O céu é o limite para tanta imaginação. Confundir defesa da liberdade de expressão com validação de ideias extremas não é análise, é retórica. E o choro é livre.

O mais curioso é que Manuela transformou a liberdade de expressão em monopólio da extrema direita. Alguém deveria avisar as democracias ocidentais que, aparentemente, perderam o direito de reivindicar esse princípio. Manuela ainda invocou o “excepcionalismo americano”, ao criticar o papel da Meta como ferramenta do “imperialismo”. Mas, ao dizer que a empresa só atua a serviço de um poder maior, reforçou o mesmo erro que ataca. Para ela, o problema não parece ser o autoritarismo. É quem exerce o controle. Ou seja, quem manda. Noutras palavras, se os aliados ideológicos de Manuela estiverem no poder, isso é o que importa.

Não se deve ter medo da liberdade de expressão, exceto se você for um tirano. Ela incomoda, mas é isso que torna a vida da política suportável. Permite o absurdo, o incômodo, o confronto. Mas é o confronto que sustenta a democracia. Sem ele, só sobra o silêncio. Defender Notas da Comunidade não é defender Zuckerberg. É defender a ideia de que a verdade precisa ser um processo coletivo, não um decreto. A Meta erra muito, mas acertou nisso. Prefiro um sistema aberto, com falhas, a uma democracia domesticada por censores iluminados. Zuckerberg está longe de ser um herói, e eu não espero que seja. É um bilionário também preservando seus interesses e os interesses de seus acionistas. Mas, ao menos, reconheceu que era um censor e que liberdade de expressão não pode ser uma ameaça.

Ditaduras moderam conteúdo por viés ideológico. Defensores da democracia não precisam amar adversários – isso é tarefa cristã, não obrigação política. Defensores da liberdade de expressão (portanto, da democracia não domesticada) precisam, isso sim, aceitar a existência de opiniões divergentes e até ofensivas. Redes sociais que se pretendem democráticas devem ser palcos do confronto, não vitrines do conformismo e experimentos particulares de ditadores.

E quem acha o confronto de ideias perigoso talvez tenha mais em comum com os porcos do que gostaria de admitir.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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