Foto: Pasqualantonio Pingue/Free Images| Foto:

Cheguei à conclusão de que aborto é o típico tema que precisa ser tratado por diversos ângulos. Não é problema que se esgota por decretos ou por palavras de ordem, como desejam ideólogos e ativistas. Por isso, trago comigo esta pérola de sabedoria: um problema complexo não pode ser reduzido a uma solução simples. Ninguém duvida da complexidade do assunto, certo? Inspirado nesse princípio, fiz quatro perguntas para meu amigo Augusto Gaidukas, uma reflexão sobre aborto à luz da medicina. Afinal, o médico também tem seu “lugar de fala”. Segue o resultado.

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Antes, claro, deixem-me apresentá-lo: Augusto é estudante do 4.º ano de Medicina na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e realiza pesquisa em ética médica e história da medicina. Ele também escreve para a Revista Amálgama, com bons textos a respeito do aborto. A propósito, tivemos a oportunidade de dar algumas palestras juntos sobre o tema.

Podemos falar em “consenso científico” a respeito de quando há um novo ser humano?

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A embriologia, como qualquer ciência empírica e dentro da definição de ciência normal de Popper, tem alguns milestones (paradigmas) respeitados. Um deles é quando um novo indivíduo — do ponto de vista biológico — é formado. É indubitável que um novo ser vivo com DNA próprio se forma a partir da fusão dos gametas parentais, constituindo o zigoto. Como é um novo ser vivo com DNA humano, é aí que se forma o ser humano. Nisso não há discussão. Por sua vez, existem divergências sobre quando nos referimos ao concepto como pessoa, e boa parte dos interlocutores da discussão imaginam que, por isso ser um assunto da filosofia, não é necessário seguir o rigor técnico-científico de uma ciência biológica como a embriologia nessa definição. O que eles ignoram, no entanto, é que a prática médica ocidental nasceu com um filósofo, que é Hipócrates. Eles tentam dizer que ela se resume puramente a sua face morfofisiológica, como se ela fosse apenas anatomia, fisiologia, bioquímica, histologia, genética e patologia. Se não houver o porquê do curar, não há medicina, mas apenas o estudo biológico do organismo humano. É por isso que o estatuto antropológico do embrião é um tema médico. Medicina é um ramo da filosofia.

Do ponto de vista médico, como se define (e estou pensando aqui também em sua execução) um aborto?

Para a obstetrícia, um blastocisto torna-se um embrião apenas a partir do sétimo dia de gravidez — tempo médio da nidação, que é a fixação do blastocisto na cavidade uterina, que ocorre por volta de sete dias após a fecundação. Do ponto de vista da definição, a condição de existência de um aborto é que haja gravidez, e esta só ocorre depois que o blastocisto se tornou embrião implantado. Do ponto de vista do conceito, como não é possível saber exatamente quando houve a implantação da blástula na cavidade uterina após a fecundação sem um estudo de vias intracelulares de sinalização molecular — cuja coleta amostral abortaria o embrião —, pragmática e logicamente, uma interrupção da migração do zigoto, mesmo antes da implantação uterina, seria um aborto. É por isso que há uma briga no sentido de a pílula do dia seguinte ser abortiva, já que ela é capaz de impedir a nidação do zigoto recém-formado, diferentemente do anticoncepcional comum, que nem permite que a mulher ovule.

O que você pensa da expressão “aborto seguro”?

Quando eu me deparo com essa expressão, que é uma antítese, eu penso: “seguro para quem?” É seguro apenas para a mãe, já que o embrião, ou feto, será exterminado de forma asséptica, assim como se tira um mioma uterino. Não entrarei nas minúcias cirúrgicas do abortamento, está no Zugaib para quem quiser ler, mas mesmo para a mãe o aborto é um procedimento cirúrgico invasivo, e que tem riscos imediatos, mediatos e tardios. Apenas para se ter uma ideia, a exigência de anestesia, sedação e realização em centro cirúrgico já fala muito do aborto em si, diferentemente do quadro delirante defendido pelos pró-escolha, como se abortar fosse a mesma coisa que tirar uma verruga, isso quando o uso malsucedido de prostaglandina no aborto ilegal não leva a complicações como hemorragia e infecção.

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Como a comunidade médica, principalmente dentro das universidades – considerando professores e estudantes  – , tem recebido o debate público acerca do aborto?

Os professores não são apenas éticos, eles são virtuosos no debate sobre o aborto —ao menos os professores de Ginecologia e Obstetrícia. Na minha experiência pessoal, não vi, na academia, nenhum especialista da área advogar a favor do aborto — até porque, diferentemente do que se prega, universidade é lugar de ciência e não de ideologia —, mesmo que ele, pessoalmente, fosse da causa pró-escolha.

O que se vê são professores que não são da área, especialmente os das ciências humanas, que nunca pisaram num centro obstétrico (CO), e não viram uma única cesárea — muito menos um aborto, que é um procedimento extremamente restrito — na vida, pregando o aborto como se fosse a redenção da humanidade. Quanto aos alunos, muitos deles vêm do ensino médio com a cabeça virada por ideologias da moda e professores que os seduzem a esse tipo de ideal de “libertação da mulher”, que de libertação não tem nada, e advogam aborto até estarem no terceiro ou quarto ano, que é quando cumprem o estágio no CO. Depois disso, ou eles mudam de ideia, ou eles param de militar pela causa, talvez pela visão chocante — para mim, sempre um milagre — de ver uma criança viva de 3,5 kg sair da barriga de uma gestante.

O aborto sem indicações médicas, no meio médico, além de ilegal, é mal-visto. Ele é mal-visto porque existem temas muito mais patentes a serem discutidos em obstetrícia, como a precarização da assistência pré-natal, a taxa de mortalidade materna de país africano que temos e a quantidade galopante de gestações precoces Brasil afora. Se os militantes abortistas estivessem preocupados com a saúde feminina e o bem-estar da mulher, essas seriam as bandeiras que eles estariam levantando. Depois que a obstetrícia no Brasil for tratada como merece, aí poderemos falar em aborto. Eu sugiro, para quem quiser se aprofundar no tema, a apresentação do dr. Raphael Câmara, docente da UFRJ, na ADPF 442 no STF.