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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Mentalidade anticapitalista – ou: correlação não implica causalidade

“Quem segura o Bolsonaro lá são os donos do Mercado”, publicou o MTST em suas redes sociais. (Foto: MTST/Divulgação)

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Do ponto de vista puramente econômico, capitalismo nada mais é do que economia de livre mercado. Se abre espaço para gananciosos, o problema não está no livre mercado, mas na incapacidade humana de conter a ganância.

Claro que o capitalismo não significa sistema infalível, principalmente quando medimos o valor da vida humana pelo valor do dinheiro. Porém, o equívoco de medir o valor das relações humanas pelo valor do dinheiro já não tem mais a ver com livre mercado; é pura perversão moral. E vale ressaltar que o velho Karl Marx não foi economista, foi filósofo da economia política.

Quem enxerga o mundo das trocas de mercado como um jogo de soma zero não entendeu nada do problema

Mas toda vez que penso no livre mercado, como piedoso católico que sou, gosto de ler um trecho da própria Doutrina Social da Igreja Católica – que não confunde liberalismo com livre mercado – no qual se reconhece o grande valor da economia de mercado para o desenvolvimento da uma sociedade mais justa. Diz o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, no ponto 347:

“O livre mercado é uma instituição socialmente importante para a sua capacidade de garantir resultados eficientes na produção de bens e serviços. Historicamente, o mercado deu provas de saber impulsionar e manter, por longo período, o desenvolvimento econômico. Existem boas razões para acreditar que, em muitas circunstâncias, ‘o livre mercado seja o instrumento mais eficaz para colocar os recursos e responder eficazmente as necessidades’. A Doutrina Social da Igreja aprecia as vantagens seguras que os mecanismos do livre mercado oferecem, seja para uma melhor utilização dos recursos, seja para facilitar a troca de produtos; estes mecanismos ‘sobretudo, colocam no centro a vontade e as preferências da pessoa que no contrato se encontram com aqueles de uma outra pessoa’, porque, afinal, ‘um verdadeiro mercado concorrencial é um instrumento eficaz para alcançar importantes objetivos de justiça: moderar os excessos de lucros das empresas singulares; responder às exigências dos consumidores; realizar uma melhor utilização e economia dos recursos; premiar os esforços empresariais e a habilidade de inovação; fazer circular a informação, em modo que seja verdadeiramente possível confrontar e adquirir os produtos em um contexto de saudável concorrência’.”

Infelizmente, a maioria dos críticos da economia de mercado – verdadeiro nome da economia capitalista – tende a negligenciar esses importantes elementos das relações sociais e coloca todo o mal da sociedade no capitalista investidor. A pobreza é um mal? Culpa do capitalista. A inflação é um mal? Culpa do investidor capitalista. E por aí vai. Tudo o que não presta na sociedade só pode ser culpa do capitalista. Assim é fácil.

Entretanto, acho curioso notar como a recusa da economia de mercado vem apoiada num poderoso e simplista sentimento que fundamenta expressões do tipo: “sou infeliz porque o outro é feliz”; “sou fracassado porque o outro é realizado”; ou “sou pobre porque o outro é rico”. Nossas relações são bem mais complexas. Quem enxerga o mundo das trocas de mercado como um jogo de soma zero não entendeu nada do problema.

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Veja o caso dos integrantes de movimentos sociais que ocuparam a sede da Bolsa de Valores na cidade de São Paulo. Eles protestavam contra o desemprego, a inflação e a fome. Até aí, tudo bem, a causa é legítima. O que não faz sentido é a lugar e os motivos da invasão. Debora Pereira, liderança do MTST, justifica: “É inadmissível que quase 100 milhões de brasileiros estejam em situação de fome e insegurança alimentar enquanto os bilionários movimentam R$ 35 bilhões por dia só aqui na bolsa”. E continua: “Estamos aqui para denunciar o que acontece no país e a política por trás disso. Em um ano, o número de milionários dobrou, enquanto aumentou a miséria. Não é possível que 99% da população empobreça para que 1% enriqueça. Este é um grito que estava engasgado na garganta de quem vai no supermercado”.

De fato, todo grito de desespero é grito que precisa ser compreendido na perspectiva correta do sofrimento humano. Não se deve desprezar quem pede socorro. Só que, nesse caso, para ajudar, precisamos conhecer como funciona a economia de mercado.

E uma das ideias mais equivocadas a respeito da economia de mercado capitalista é a de que a causa da riqueza de uns poucos necessariamente implica na pobreza de muitos. Noutras palavras: o número de milionários ter dobrado não significa a causa do aumento da miséria. A frase “não é possível que 99% da população empobreça para que 1% enriqueça” parte de uma falsa correlação: “com isto, logo por causa disto”, ou seja, correlação não implica causalidade.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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