Em 40 anos, apesar das riquezas geradas, Brasil foi incapaz de combater a pobreza de forma eficaz.| Foto: Gazeta do Povo
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Politicamente, nenhum sentimento se tornou mais poderoso para conquistar votos do que este: cabe ao Estado resolver o problema dos menos favorecidos dando-lhes melhores condições de vida, com indispensáveis oportunidades materiais, para concorrerem em pé de igualdade com os mais favorecidos.

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Trata-se, na verdade, quase de um sentimento religioso. E, para alguns, de uma verdadeira vocação. João só pode ser pobre porque Pedro é o riquinho ganancioso; então, vamos tirar de Pedro e distribuir para João – um zero à esquerda incapaz de tocar a própria vida.

Para o bem ou para o mal, a pobreza deixou de ser uma categoria antropológica. Reduzida a uma mentalidade puramente materialista e econômica, a solução da pobreza só pode estar no assistencialismo de Estado e seus agentes do povo. Eis uma experiência tentadora: salvar o pobre da sua condição social caracteriza a nobreza de políticos conscientes de sua missão no mundo.

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Nenhum sentimento se tornou mais poderoso para conquistar votos do que este: cabe ao Estado resolver o problema dos menos favorecidos dando-lhes melhores condições de vida

Diferentemente do rico ganancioso, o pobre traz cravejadas em sua carne as virtudes da humildade e da compaixão. Logo, a constatação da pobreza impõe o senso de dever: pobres são explorados e, por isso, precisam de ajuda. Como o rico é o explorador, a ajuda só poderá vir de alguém que encarne a mais alta concepção de justiça: o Estado e seus iluminados agentes. Só o Estado e seus iluminados agentes podem tirar de Pedro e distribuir para João. Fora do Estado sobram destruição e miséria.

Não deve ser muito difícil encontrar algum influenciador de esquerda com o discursinho fofo de que “os exploradores capitalistas sempre entenderam que o pobre é mais piedoso, amável e confiante. Desta forma, eles não fazem questão de ajudar os mais humildes a saírem da condição da pobreza; pelo contrário, justificam aquela condição como natural. E para isso conta com a ajuda da religião cristã”.

Os explorados precisam de sacerdotes que tomaram consciência desse mecanismo de exploração para revelar a verdadeira intenção de um porco capitalista. Se não for rico de esquerda, então será sempre tratado como uma pessoa gananciosa, preconceituosa, impiedosa e desonesta. Em suma, se você é rico e não for assistencialista, logo é um egoísta que impede o desenvolvimento da sociedade. Em suma, a solução é taxar fortunas. Bilionários não devem existir. Fogo nos fascistas.

O pano de fundo desta crença é a seguinte visão do paraíso perdido: “pobres são bons por natureza e só não são melhores por serem explorados por uma minoria de ricos gananciosos. Eles são incapazes de superarem a condição de pobreza por eles mesmos. Precisam sempre de um guia que tome as rédeas da história para eles. Nesse sentido, pobre não pode defender a economia de mercado e a livre iniciativa”.

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Pessoalmente, nunca caí nessa ladainha. E não é por ter sido rico e com consciência de classe. Morei em conjunto habitacional do Estado por mais de 15 anos. Sou filho de italianos rurais que tentaram tocar a vida na cidade grande. Deu no que deu: pais divorciados desde os 5 anos. Mãe vendedora das Casas Bahia. Precária educação em escola pública da infância à pré-adolescência. Vivíamos de polenta e batata. Nada muito diferente da vida de bilhões de terráqueos. Como sair dessa condição? Só contornando o problema por uma via mais humana. A pobreza também é um problema moral.

Sem um norte moral, a satisfação material da vida não significa nada. Noutras palavras, a miséria humana não é uma questão de dinheiro

Mamãe era tremendamente orgulhosa: “Não admita não ser responsabilizado pelos seus próprios erros e pela infelicidade do mundo em que vive”. Era impossível culpar alguém que tinha um tênis da Nike quando eu não tinha. Mas vocês sentem no meu tom um certo ressentimento, não? Eu sempre olhei com desconfiança esse inflamado discurso de que ser pobre era ser vítima. Eu tinha muita inveja de quem tinha um Nike, isso sim. E penso que, sem um norte moral, a satisfação material da vida não significa nada. Noutras palavras, a miséria humana não é uma questão de dinheiro.

A respeito de todo esse assunto, trago sempre comigo o final da Apologia de Sócrates, de Platão. Na sua fala final diante do tribunal que o condenou à morte, Sócrates adverte seus juízes com um último pedido: atormentem meus filhos caso eles cuidem mais da riqueza do que da virtude. Castiguem meus filhos se eles acreditarem ser qualquer coisa sendo nada.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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