No meu último texto, abordei a relação entre ética Aristotélica e Carros, a belíssima jornada de amadurecimento de Relâmpago McQueen. A interpretação está longe de ser forçada; Carros, a meu ver, é uma das mais aristotélicas do gênero. Pessoalmente, não tenho assistido a tantos desenhos como eu assistia há uns cinco anos. Meus filhos estão entrando na adolescência e os problemas que um pai preocupado enfrenta são outros.
O fato é que sinto muito prazer em relacionar filmes aparentemente descompromissados com grandes tópicos da filosofia. Nem toda boa reflexão filosófica precisa de um Ingmar Bergman ou um François Truffaut para fazer jus de grande arte. Que fique claro que elogiar filmes mais casuais não implica em diminuir a importância de grandes diretores. Para mim, é possível tirar boas reflexões de filmes como Robocop – obviamente me refiro ao clássico de 1987 dirigido por Paul Verhoeven – e os primeiros filmes da saga Exterminador do Futuro (que, junto com Aliens: O Resgate, é a melhor coisa já dirigida por James Cameron). Quem sabe não me comprometo em fazer isso para os próximos textos.
Em geral, procuro relacionar tudo a que assisto com problemas abordados pela filosofia. Mania de professor que caça exemplos bons para tentar animar algumas aulas.
Hoje, tratarei de uma obra que sempre utilizo em sala de aula para apresentar o valor filosófico da ética de Aristóteles diante de outros modelos éticos. Como já havia comentado no último texto, a definição de a felicidade consiste na atividade da alma, segundo uma virtude perfeita, numa vida completa. Se eu parecer repetitivo aqui, é de propósito.
Em Aristóteles, a ideia é de que a realização humana, isto é, a vida perfeita, só pode ser alcançada na polis
É famosa a ideia de que o homem é um animal político, também conhecido com a expressão zoon politikon. Com isso, Aristóteles não queria dizer que a natureza humana deseja o poder. Política, neste contexto, não significa relações de poder, interesse por mandar ou coisa do tipo.
Em Aristóteles, a ideia é de que a realização humana, isto é, a vida perfeita, só pode ser alcançada na polis. Afinal, afirma,
“a natureza não faz nada em vão, e o homem é o único animal que tem palavra (logos); – a voz (fone) expressa a dor e o prazer, e os animais também possuem, já que sua natureza vai até aí – a possibilidade de sentir dor e o prazer e expressá-los entre si. A palavra, porém, está destinada a manifestar o útil e o nocivo e, em consequência, o justo e o injusto. E esta é a característica do homem diante dos demais animais: – possuir, só ele, o sentido do bem e do mal, do justo e do injusto etc. É a comunidade dessas coisas que faz a família e a cidade.”
Para nós, pós-modernos, tão acostumados com a ideia de que o exercício político está fundamentalmente relacionado ao poder, isso poderá parecer de um idealismo ingênuo. Da minha, depende de como nós compreendamos o significo da política. É nesse sentido que eu gostaria de relacionar tudo isso com Na natureza selvagem, filme dirigido por Sean Penn e baseado no livro homônimo de Jon Krakauer.
O filme conta a história de Christopher McCandless, um jovem americano que abandona tudo para viver uma vida simples e autêntica na natureza no Alasca. A narrativa do filme é dividida em duas partes, que são contadas em duas camadas narrativas. A primeira parte acompanha a jornada de McCandless antes de chegar ao Alasca. Ele abandona sua casa e seus bens, viaja pelos Estados Unidos e conhece pessoas de todos os tipos. Nessa parte, o filme explora a busca de McCandless por um sentido para sua vida e sua insatisfação com a sociedade moderna.
A segunda parte se passa no Alasca. McCandless vive sozinho na natureza por mais de um ano. Aqui o filme explora a relação de McCandless com a natureza, sua busca pela autodescoberta e, claro, a tentativa de sobrevivência em um ambiente hostil. O fim do filme conecta as duas partes de maneira surpreendente. A solidão massacrará o protagonista. Porém, o principal erro foi registrado em seu diário, que data de 30 de julho de 1992: “EXTREMAMENTE FRACO. CULPA DA SEMENTE DE BATATA. MUITA DIFICULDADE ATÉ PARA FICAR DE PÉ. MORRENDO DE FOME. GRANDE PERIGO.”
É famosa a ideia de que o homem é um animal político, também conhecido com a expressão zoon politikon. Com isso, Aristóteles não queria dizer que a natureza humana deseja o poder
Em inglês, o título do filme é Into the Wild. Sem preciosismo semântico, a ideia fica ainda mais forte por causa da preposição into, que indica movimento para dentro de um lugar. Nesse caso, é o jovem que abandona tudo e a todas para mergulhar no interior de sua própria natureza. E o que ele descobre quando encontra o animal humano em si mesmo? Exatamente o que Aristóteles nos ensina:
“não menos estranho seria fazer do homem feliz um solitário, pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade. Por isso, mesmo o homem bom viverá em companhia de outros, visto possuir ele as coisas que são boas por natureza.”
Não à toa, as últimas palavras registradas por ele e abordadas no filme foram: a felicidade só é real quando compartilhada.
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