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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Identitarismo

O admirável mundo woke

Black Lives Matter
Em protesto do movimento Black Lives Matter no Reino Unido, em junho de 2020, manifestante mostra cartaz com a mensagem "Não consigo entender, mas me posiciono". (Foto: Bigstock/Duncan Cuthbertson)

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Woke. Hoje, eu acordei de um sono dogmático. Despertei para o mundo mais justo. A expressão ganha relevo no debate público promovido por redes sociais: cultura woke. Termo carregado de significados culturais e políticos. Você, caro leitor, já deve ter lido e relido alguém defendendo pautas para a construção de um admirável mundo melhor. Na gramática das redes, o dialeto da “tomada de consciência” deve ser resumido na palavrinha woke. Na minha brevíssima pesquisa, encontrei o verbete.

Originariamente, woke é do inglês afro-americano. Gíria do pessoal dos anos 90 cheio de consciência social e política acerca do sistema de opressão, sobretudo o racismo que rolava por lá, nos EUA. Importamos, além de fast food, a palavrinha da moda. Em sua origem, a expressão woke era usada como um adjetivo para descrever as pessoas que “acordaram” para as questões sociais ligadas aos grupos minoritários. Se você não se sente uma minoria, acorde!

A cultura woke agora é popular. Isso significa adesão social a uma agenda politicamente desperta

“Minoria” também faz parte da gramática: grupos sociais que se autocompreendem numa posição desvantajosa e subordinada em relação à maioria da sociedade. Minorias não no sentido quantitativo, portanto. A ênfase deve recair na experiência histórica de exclusão em virtude de etnia, gênero, orientação sexual, religião, classe social, idade ou qualquer outra característica que seja parte do longo processo social de discriminação. Ninguém se salva.

Woke. Ou, simplesmente, o despertar das consciências oprimidas. A cultura woke agora é popular. Isso significa adesão social a uma agenda politicamente desperta. Para ser preciso, woke se manifesta como preocupação intensa com as questões de justiça social. Abrirá uma conta num banco? Ele deve respeitar a pauta woke. Trocará de carro? Ai do fabricante que não adotou a agenda em seu marketing. Pretende alfabetizar o filho? Só se for na cartilha autorizada pelos editores wokes. Não vai usar O pequeno príncipe sem a consulta prévia.

É preciso viver profundamente o sentimento de justiça. Contra quem? Tudo o que oprime, tudo o que machuca, tudo o que outrora fora ofensivo para uma minoria. Se você não tem lugar de fala, isto é, não é uma minoria qualificada, nem tente. Teu lugar é permanecer caladinho.

O método da cultura woke é relativamente simples: você precisa se sentir culpado. Sim, é uma agenda intolerante ao intolerante. Vigiar e punir. Bom, noutros termos: a vigilância constante em relação a expressões e comportamentos que possam ser considerados ofensivos a grupos minoritários. Se você não faz parte de um grupo minoritário, nem adianta reivindicar posição, apenas peça desculpas. Afinal, se não és minoria, por definição já tem privilégios sociais, oprimiu alguém, ofendeu. Alguns são mais iguais que os outros.

Embora a preocupação com a igualdade e a exigência de respeito aos direitos humanos sejam louváveis e necessárias, a cultura woke é moralista e inflexível quanto a tudo o que não é woke. Meu inimigo significa tudo o que não é o meu espelho. Não há ambiguidades aqui. Questionamentos? É melhor ficar caladinho. Falar, só se for pedir desculpas.

Resultado do método: a censura preventiva, em que se evita qualquer expressão que possa ser e já foi considerada ofensiva aos grupos minoritários. Genial, não? Tudo que é e já foi ofensivo deve ser proibido e corrigido. Alguns historiadores wokes e simpatizantes alegam: é, pois, a história sendo feita.  

O método da cultura woke é relativamente simples: você precisa se sentir culpado. Sim, é uma agenda intolerante ao intolerante. Vigiar e punir

O que fazer com obras de literatura e filmes que possam ser considerados ofensivos ou racistas em relação a grupos minoritários? Simples: editar. Não gostou de um trecho em que o personagem manifestou opiniões insensíveis? Mude a frase, altere personagens, reveja situações consideradas estereotipadas, ou, no pior dos casos, retire a obra de circulação. Tudo o que ofende uma minoria não será permitido nessa sociedade despertada para o bem de todos.

O inferno está cheio de gente bem-intencionada. Em primeiro lugar, vamos presumir que as pessoas são incapazes de fazer uma leitura crítica e contextualizada de obras que possam ser consideradas ofensivas. Se isso é um insulto à inteligência e ao bom senso dos leitores e espectadores? De modo algum. Os leitores wokes não são capacitados a questionar aspectos considerados “problemáticos” em obras de literatura e filmes sem a ajudinha de um editor woke engajado no processo de erradicar o mal do mundo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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