Imagem: Reprodução| Foto:

Na Nova Babel todos lutam por paz, amor e direitos humanos. Nessa incrível cidade, cada um se empenha na busca eterna para desfrutar da companhia uns dos outros como crianças felizes em uma vida de perpétuo assombro e encantamento. Alimentam-se de frutos e alegremente cultivam as riquezas da terra. Todos, tomados de amor, sentam-se à mesa da fraternidade e são gratos pelo que podem obter dessa vida feliz. Veementemente, portanto, repudiam o Ódio. De todo o coração, repudiam o Ódio com amor. Os combatentes de Babel reúnem-se como verdadeiros salvadores. Eles se caracterizam mais pela quantidade considerável de cidadãos de bem e não por sua inteligência. São chamados de babelianos. E sabem que não é o momento de inteligência — há, para falar a verdade, repúdio ao conhecimento. O que os babelianos desejam é a salvação e o gozo eterno, não a verdade.

CARREGANDO :)

Eles entoam seus hinos: “estamos cercados de inimigos, e o mais ameaçador dentre eles é o Ódio. O nosso ódio é do Bem. Venham; vamos todos para o interior construir o repúdio ao Ódio. O nosso edifício é o Bem e o nosso dogma é o de que não existem verdades, só narrativas. Nossa verdade é uma narrativa. A nossa narrativa. Nessa cidade, poderemos fazer o que quisermos com impunidade, porque falamos em nome dos Direitos Humanos e quem fala em nome dos Direitos Humanos tem autorização para fazer o que quiser com quem fala em nome do Ódio. Calaremos quem ousar falar em nome do Ódio”.

Mas como saber quem fala em nome do Ódio? Nós sempre sabemos! Como diz o poeta: “Pois este abismo é o inferno por tantos povoado!” Não precisamos ter escrúpulos. Nós sempre sabemos quem odeia. Vamos batizar nossa cidade de Nova Babel: a cidade da Liberdade. Vamos fazer campanhas na internet, nas redes sociais vamos usar de todos os meios necessários para combater nossos inimigos e vamos espalhar notas de repúdio contra o Ódio, “a fim de que o ódio nos aqueça a vida inteira!”

Publicidade

A Nova Babel se manifesta de muitas maneiras e seus cidadãos atuam observando cada detalhe e movimento do mundo, cada olhar dissidente e cada um que tentar desestabilizar a Cidade da Liberdade. Hoje foi a vez de uma dissertação de mestrado sobre “Casamento: sua natureza conjugal e relevância para o bem comum”. Segundo os salvadores de Babel, uma dissertação de mestrado não poderia defender que “não é qualquer conceito de família que está apto a promover e proteger bens humanos básicos”. Não; os líderes de Babel não autorizaram isso. Não passou pelo crivo dos babelianos. Onde já se viu dizer que o conceito de família “que efetivamente legitima normas jurídicas e promove a estabilidade e desenvolvimento social [na Nova Babel] é dado pela nova teoria do direito natural”? Não interessa o que é a nova teoria do direito natural. Não faz parte discutir princípios e argumentar contra eles. Para os babelianos, o que interessa é desfrutar das delícias do amor e combater qualquer ameaça.

Nessa cidade da bem-aventurança, não há lugar para a nova teoria do direito natural. A constituição de Babel definiu, por meio do amor e das notas de repúdio amoroso ao Ódio, o que pode e o que não pode ser discutido no interior de suas instituições de ensino. Os babelianos não autorizaram qualquer estudo baseado nas obras de filósofos como John Finnis, Robert P. George e Mark Murphy. Tomás de Aquino é medieval demais, retrógrado demais. Não há diálogo na Nova Babel com autores que “escrevem contra o sexo anal, o sexo oral, o sexo fora do casamento, o casamento gay, adoção por gays, mães solteiras, o Estado Laico, a modernidade”. Na Nova Babel, alto lá, só estão autorizados autores que pregam o amor fraternal das mil formas. Tudo aqui é amor e todos os que pregam o Ódio serão banidos. Por exemplo, serão bem-vindos dissertações que falam dos “Apontamentos para uma economia política do cu entre trabalhadores sexuais” ou “A folia dos cus prolapsados: pornografia bizarra e prazeres sexuais entre mulheres”.

Todo conhecimento acadêmico produzido pelos babelianos jamais poderá se opor aos objetivos do Programa de Pós-Graduação em Direito das Instituições de Ensino da Nova Babel, pois só será permitido aquele que busca, em sua essência, utilizar do conhecimento acadêmico para o fomento do que os próprios babelianos definem como direitos humanos. A Constituição da Nova Babel é categórica em não permitir a livre circulação de ideias contrárias à narrativa de fundação da Nova Babel. Portanto, babelianos não reconhecem os princípios fundamentais da Constituição Federal brasileira. A Nova Babel é um Estado completamente novo dentro do velho Estado brasileiro. Por isso, qualquer dissertação que ousar defender o “Casamento na nova teoria do direito natural” representa um ataque violento e gratuito contra toda a comunidade da Nova Babel, que no fundo é um ataque violento contra todos aqueles que se preocupam em promover os direitos humanos e manter vivos os pilares da Cidade da Confusão.

E assim nasce uma lenda: A lenda da Nova Babel. Essa lenda narra a história de como a promessa de liberdade pode, no fundo, ser o esconderijo da servidão. Essa contemporânea história dos povos libertos de todo mal e de todo ódio ajuda-nos, pois, a compreender que nem sempre a atual luta por direitos humanos é garantia de que seres humanos de carne e osso serão respeitados. Entre o ideal de liberdade e a efetiva realidade da servidão, a distância é bem menor do que supõem os nossos rebeldes. Já não há quaisquer diferenças entre ser livre e ser escravo, pois a construção da Nova Babel narra como, em nome da paz, realiza-se a guerra; como, em nome do amor, propaga-se o ódio; como, em nome da justiça, edifica-se a tirania; e como, em nome da plenitude humana, instaura-se nossa miséria. Porque na cidade da confusão não há mais linhas que distinguem paz de guerra, amor de ódio, justiça de tirania, plenitude de miséria, fatos de narrativas.