Longe de mim querer determinar o que as pessoas devam pensar a respeito de seus posicionamentos políticos. A eleição está chegando e eu só tenho tédio. Para ser sincero, eu só gostaria de lembrar que uma das mais difíceis e arriscadas perguntas em política não é saber qual a melhor forma de administrar o Estado a fim de usar seu poder para combater a pobreza, fazer distribuição de renda, garantir saúde, previdência social, segurança, educação e paz. Ninguém duvida de que todas essas coisas sejam boas e desejáveis em si mesmas e que – com exceção de libertários e anarquistas – o Estado cumpra importante função nisso. Tenho outras dúvidas.
Minha dúvida: a coesão harmônica de uma sociedade, aquilo que nos torna efetivamente membros de uma comunidade moral, é de ordem superior ou nós, humanos, não passamos de meras entidades materiais tentado sobreviver, cada um à sua maneira, nessa terra sem sentido? A resposta a essa pergunta diz respeito à nossa cosmovisão política. Só a partir de uma cosmovisão é possível entender como os atuais conflitos políticos são demarcados, como a escalada aos extremos se desenvolve e que tipo de epidemia é a violência que toma conta de nossa atmosfera cultural.
Religião e política devem ficar separadas – embora, na ordem hierárquica das coisas, a religião venha primeiro. Não há salvação na política, só em Deus mesmo
Em linhas gerais, conservadores defendem a primeira opção; progressistas, a segunda. E eles não estão dispostos a colocar suas crenças na balança. Há um conflito de visão irreconciliável aqui, por mais que os marqueteiros políticos digam o contrário.
Para conservadores, o que mantém a sociedade coesa, o que dá sentido, consistência e faz a vida digna de ser vivida não vem de interesses individuais ou coletivos imediatos, não vem das relações de trabalho e do dinheiro, não tem origem no sentimento de afeto e nas redes de solidariedade identitárias entre os seres humanos, não são bens materiais, psicológicos ou sociais sujeitos a uma existência vazia e efêmera. O que assegura o fundamento da sociedade vem de uma ordem outra de valores. Para progressistas, essa conversa não passaria dos efeitos metafóricos do ópio. Estou longe de aceitar a resposta progressista.
Agora, com relação ao fundamento dessa “ordem superior”, para um recorte didático, entendo que há dois tipos de conservadores. Os que defendem uma ordem de valores superior transcendente, isto é, algo mais metafísico e ligado a um sentimento religioso; e os que sugerem que esta ordem se consolida pelos aspectos históricos da experiência humana, sem apelo ao transcendente. Nesse caso, os primeiros acreditam que Deus garante, em última instância, os fundamentos últimos da justa e boa vida social. O segundo tipo de conservador, por outro lado, pensa a sociedade a partir dos vínculos simbólicos de uma tradição que se manifesta na cultura – a religião seria um aspecto importante, mas não decisivo.
Com relação à crença política, há conservadores que acreditam no Estado como a principal entidade capaz de manter a harmonia social e os que acreditam que essa é a finalidade da religião.
Faço parte do grupo daqueles mais céticos: os que negam essa finalidade ao Estado e à política e sabem que o drama humano só tem saída na arte e na religião. Os primeiros pensam a sociedade a partir de uma relação mais profunda entre Estado e nação; quase uma relação de identidade. Eu defendo a noção de que religião e política devam ficar separadas – embora, na ordem hierárquica das coisas, a religião venha primeiro. Em suma: não há salvação na política, só em Deus mesmo.
Ao contrário do pacto social da moderna teoria contratualista – noção abstrata de um suposto ato voluntário que tira o homem do estado de natureza e garante a sua entrada na sociedade civil –, na expectativa de um conservador a sociedade é a comunhão contínua entre pessoas reunidas numa unidade orgânica: o povo. Não é uma abstração filosófica, mas uma paixão que deseja preservar valores que mereçam ser preservados. O que resulta num sentimento profundo e até perigoso de responsabilidade que autoriza rechaçar tudo aquilo que coloca esses valores em risco. Mas como definir os valores que vale a pena preservar?
Podemos almejar e pensar a perfeição, mas não podemos realizá-la aqui. Pelo menos não nessa terra devastada pelo egoísmo, pelo ódio e desejo de poder
Nesse ponto chave, como pessimista político, acredito no seguinte: nossa condição humana será sempre propensa a falhas graves. Numa palavra: somos imperfeitos e insuficientes, e não podemos transformar nossa natureza. Uma resposta um tanto melancólica, eu confesso, para o fato de saber que se é mortal e aspirar, sem grandes pretensões, à imortalidade. Esse seria o lado “trágico” do conservadorismo político, que pode se subverter em nacionalismos perigosos devido à incapacidade de políticos – seres humanos propensos a erros – lidarem com o caráter trágico da experiência humana.
Nossa propensão a criar desordem e descambar para a violência só é compensada pela nossa capacidade de criar coisas magníficas como obras de arte, grandes descobertas científicas e, ainda, talvez, eu espero, buscar os pequenos gestos de gratidão, bondade, altruísmo e caridade. Entretanto, conservadores jamais poderiam aceitar qualquer tipo de pretensão em forjar um “novo homem”, um “novo país”, uma “nova nação”, sobretudo via política. A consequência lógica dessa premissa é que a perfeição da sociedade não passa de fantasia. Podemos almejar e pensar a perfeição, mas não podemos realizá-la aqui. Pelo menos não nessa terra devastada pelo egoísmo, pelo ódio e desejo de poder. Em termos políticos, nossas expectativas sempre naufragarão.
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