O ateísmo é um posicionamento existencial diante da crença na existência em Deus. Há tantas formas de ateísmo quanto há ateus. Diferentemente do que muita gente pensa, o ateísmo não é simplesmente a ausência na crença em Deus. Portanto, trata-se também de uma crença. Afinal, se não fosse o conflito de crenças fundamentais, cada um viveria trancafiado dentro de sua própria visão de mundo.
Mais do que uma mera teoria acerca da origem e o destino do mundo, o ateísmo também se expressa como um modo de vida e, por isso, tem uma dimensão existencial, uma ética, um sonho de Estado e sociedade perfeita e um final para a história.
O fato é que ninguém vive uma vida sem uma visão de mundo. Se negarmos a crença na existência de Deus é porque temos a crença na existência de uma outra realidade tão definitiva e fundamental quanto o equivalente valor de Deus para um santo. Nesse caso, é preciso colocar alguma outra crença no lugar de Deus: o Progresso; a História; o Dinheiro; a Ideologia...
O ateísmo também se expressa como um modo de vida e, por isso, tem uma dimensão existencial, uma ética, um sonho de Estado e sociedade perfeita e um final para a história
De qualquer forma, se o ateísmo pode ser compreendido como uma postura existencial diante da vida, pelo menos ele deverá assumir duas formas distintas: a primeira, o ateísmo militante; a segundo, o ateísmo niilista. Obviamente, entre essas duas, há muitas variáveis.
Sobre o ateísmo militante pode ser dizer o seguinte: a religião é a fonte de todo mal no mundo; elimina-se a religião, logo se tem “o paraíso” na Terra. Só a ciência natural pode salvar, libertar e trazer progresso para os seres humanos. Fora dos limites da ciência natural, qualquer outra visão de mundo está errada.
O fundamento desse tipo de ateísmo está na estima que o ateu militante tem acerca de si mesmo e das conquistas científicas. Para um ateu militante, quem não é ateu só pode ser burro. Uma postura obviamente dogmática, típica de ativistas que nunca duvidam de si mesmos.
Como disse Michel Novak certa vez a respeito desse tipo de ateísmo, o ateu militante “nunca levantou qualquer dúvida sobre a correção de seu próprio ateísmo”. Portanto, não há discussão com quem não se coloca a si mesmo como um problema. A fraqueza de todo militante é a de nunca duvidar de si mesmo, da autoridade da ciência, do desenvolvimento progressista da história.
Por outro lado, há o ateísmo niilista. Para mim, o niilismo é a forma mais séria e tentadora de ateísmo. Para um niilista, a vida não tem sentido. E qualquer busca de sentido não passa de uma vã pretensão provinciana. Essa concepção é bastante fatalista e certamente a mais realista. E, por isso, os ateus niilistas geralmente são tratados como pessimistas. Respeito os pessimistas.
Afinal, um ateu niilista compartilha alguns traços a respeito do drama humano com certas correntes tradicionais de cristianismo: a insuficiência da natureza humana, a disfunção cognitiva, nossa miséria existencial e a profunda experiência de contingência e absurdidade da verdade da vida. Em resumo: o mundo não tem significado.
O niilismo é a forma mais séria e tentadora de ateísmo. Para um niilista, a vida não tem sentido. E qualquer busca de sentido não passa de uma vã pretensão provinciana
O ateu niilista experimenta, tal como o cristão deveria também experimentar, a ideia de que participamos de um drama cósmico sem nenhuma solução possível. No caso do cristão, a resposta última é Deus; já a resposta do niilista é a de que não há possibilidade de respostas últimas. Tudo é nada. O universo é fruto do acaso e o acaso rege cada detalhe da nossa medíocre tentativa de produzir alguma coisa que tenha significado.
Do ponto de vista epistemológico o conhecimento é, por natureza, limitado, regional e falível. Só existe um problema verdadeiramente sério para o ateu niilista: responder se a vida vale ou não a pena ser vivida.
O que torna a vida humana significativa? Nada! Não há para o ateu niilista uma resposta possível para tal pergunta. Apenas tateamos possíveis sombras. Clamamos por uma vida significativa e a única resposta é o silêncio abissal do universo sem sentido.
Um exemplo claro de experiência que vivencia o ateu niilista é a cena da confissão do Antonius Block no filme O Sétimo Selo, de Bergman. Diz o personagem em sua confissão para a Morte, com quem joga xadrez: “Meu coração é vazio. O vazio é um espelho. Eu vejo meu rosto... Eu vivo agora em um mundo de fantasmas, um prisioneiro em meus sonhos. Eu quero que Deus ponha sua mão e mostre seu rosto, fale comigo. Mas ele é mudo. Eu choro para ele no escuro, mas parece não ter ninguém lá”. A morte responde: “Talvez não tenha ninguém lá”. Ora, se assim for, diz Antonius Block, “vida é um terror sem sentido. Nenhum homem pode viver com a Morte e saber que tudo é nada... Devemos fazer de nosso medo um ídolo… e chamá-lo de Deus”.
O ateu niilista fez do seu vazio um ídolo e o batizou de “o nada”.
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