O PT sempre teve aquele ímpeto político para destruir a reputação de jornalistas que criticam o governo. O pior foi que, na ânsia de combater a ameaçadora ascensão da direita e restaurar o reino de amor entre os homens, a própria imprensa esqueceu-se convenientemente das tendências autoritárias dos petistas. Um claro exemplo de esquecimento seletivo e um pacto fáustico contra a liberdade de imprensa. Deu no que deu. E quem não está alinhado ao governo só pode ser inimigo mortal da democracia.
Depois da internet, ninguém pode mais se beneficiar da arte da memória curta. Não apenas o print, mas toda informação está eternizada e pode ser acessada a qualquer instante. Pincelarei apenas algumas, para que tenhamos uma ideia da disposição autoritária.
Lá em 2014, o portal de notícias G1 registrava a seguinte manchete: “Prédio da Editora Abril é alvo de ataques após reportagem da Veja”. O texto segue com a informação de que “um grupo de manifestantes atacou o prédio da Editora Abril em São Paulo, na noite de sexta-feira. O protesto aconteceu depois que a revista Veja publicou uma reportagem especial afirmando que Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva sabiam de tudo sobre o escândalo da propina na Petrobras. Na manhã de sábado, ainda era possível ver os estragos em frente ao prédio da Editora Abril, na Zona Oeste de São Paulo.” Não duvido que os ataques fossem em nome da democracia...
Nunca será surpresa para ninguém a maneira como petistas tratam jornalistas não alinhados ideologicamente ou que simplesmente ousam questionar alguma decisão. Por que esta semana seria diferente?
Em 2011, a Veja reportava: “PT ataca imprensa em fórum para ‘democratizar informação’”. O primeiro parágrafo do texto registra bem as preocupações daquela época: “Lideranças do PT participam, nesta sexta-feira, de um seminário em São Paulo, organizado para tratar da ‘democratização dos meios de comunicação’ – termo utilizado pelos petistas para mascarar uma intenção bastante clara: controlar o que é veiculado pela imprensa no país. Em discussão, está o marco regulatório para as comunicações, projeto de lei que a legenda vem pressionando o governo a aprovar, e que traz na raiz o embrião autoritário da censura”.
Poderíamos encher laudas e laudas com informações dessa natureza. Nunca será surpresa para ninguém a maneira como petistas tratam jornalistas não alinhados ideologicamente ou que simplesmente ousam questionar alguma decisão. Por que esta semana seria diferente? Para não ficar na mesmice, sinto apenas que mudou a forma como as redes sociais potencializam a destruição das reputações. Não havia o nome “cancelamento”, de fato, mas o método era o mesmo: mobilizar paixões da militância.
Vejo o recentíssimo caso da “dama do tráfico”. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi às redes para mobilizar a militância contra o Estadão e sua jornalista Andreza Matais. A ofensiva de Gleisi surge em resposta às matérias veiculadas pelo Estadão, que detalham encontros entre Luciane Barbosa Farias e altos funcionários do Ministério da Justiça nos meses de março e maio deste ano. E o que faz o Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida? Dobra a aposta e apela para o imaginário delirante: “Os próceres do fascismo à brasileira não têm compromisso com a verdade nem com o Brasil; não têm compromisso com o combate ao crime organizado; se valem de distorções para difamar, caluniar e destruir as conquistas do povo brasileiro”.
Não tenho estômago para reler todos os notórios comentários que vi circular por aí. Mas não posso deixar de mencionar um que me chamou atenção. Trata-se do famoso influenciador Garganta, aquele eloquente, persuasivo e especialista em fake news. Suas habilidades retóricas são excepcionais e usadas para manter os animais da Granja Solar sempre alinhados com o bem-estar coletivo e domesticar a democracia.
Garganta foi um dos primeiros mobilizar o ataque à jornalista do Estadão. Depois, fingiu arrependimento e escreveu uma carta de desculpas. Mas com ressalvas, sempre. Pois, alega Garganta, um ardente defensor da democracia imaginada por Major: “Ao Estadão, não deixo qualquer pedido de desculpas e reitero a pergunta: quem financia esse jornaleco da direita?” Achei que faltou um “jornaleco fascista” para o final ser mais apoteótico.
De qualquer maneira, todo esse espetáculo entre governo, imprensa e Garganta me lembrou o finalzinho de A Revolução dos Bichos, de Orwell. No fim, os porcos se tornam indistinguíveis dos opressores humanos. Jogam cartas, bebem, riem e discutem como parceiros. Na cena, escreve o narrador, “não havia dúvida agora quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco”.