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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

O poder da liberdade

flow monark
Gravação do podcast Flow, com o youtuber Monark (no canto esq. superior) e o deputado Kim Kataguiri (no canto dir. superior). (Foto: Reprodução/YouTube)

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Defendo o princípio de que não faz o menor sentido impor limites para a liberdade de discussão de ideias no espaço público democrático. Claro, não estou sugerindo com isso que aceito a bizarra trolagem de um engraçadinho entrar na sala de cinema lotada e gritar “bomba!” só para testar a reação das pessoas. Quando digo “limites para a liberdade de discussão”, refiro-me à abertura do espaço público para o debate de ideias, e não dar sustos em pessoas pelo prazer do caos.

A liberdade de discussão não fere ninguém. Debater ideias não faz mal exceto para os autoritários. O problema é a liberdade de ação. Curiosamente, apenas a título de exemplo para ilustrar o grau da esquizofrenia do debate público, alguns progressistas acham que eu não posso debater o tema do aborto por ser homem, mas acham que uma mulher poder fazer aborto significa a plenitude da liberdade.

Segundo eles, fazer perguntas filosóficas ligadas ao tema do aborto não pode; mas praticar livremente o aborto é conquista democrática. Na maior das tranquilidades, eles saltam por cima da distinção fundamental entre a atitude de pensar e discutir e a capacidade de escolher e agir. De qualquer forma, não pretendo discutir aqui aborto. Usei o exemplo para ilustrar a distinção entre pensar e agir, discutir e decidir, questionar e acreditar.

A melhor forma de ideias erradas serem destruídas antes que elas possam ser usadas para legitimar a destruição de pessoas é discuti-las livremente

A linguagem humana é extremamente complexa e nos permite realizar muitas cosias. Com a linguagem posso dar ordens; clamar por perdão; perdoar; apontar e, mais ainda, descrever uma situação; classificar; julgar; narrar; expressar sentimentos; posso ainda questionar, argumentar, criticar e justificar. Enfim, são tantas possibilidades que não conseguiria fazer aqui um inventário completo de todas as funções da linguagem.

De todas as funções possíveis, uma me parece imprescindível para o exercício da liberdade no espaço público democrático: a função crítica-argumentativa. Quando eu defendo a liberdade de expressão e discussão de ideias, é nisto que estou pensando: qualquer tema pode ser objeto de discussão e questionamento no espaço público. O horizonte da discussão é ilimitado. Uma pessoa tem o direito de acreditar no que ela bem entender, mas ela deveria ser capaz de sustentar tal crença no espaço público diante de qualquer inquirição crítica.

Pense em alguém discutindo no espaço público que nazistas poderiam organizar partidos políticos e disputar eleições. Discutir isso não significa, necessariamente, ser nazista. Trata-se de um exemplo que funciona não para retórica do nazismo, mas como caso-limite; uma espécie de argumento por absurdo. Na democracia, as pessoas têm total liberdade para discutir e até defender a possibilidade de tal tópico. Por outro lado, a liberdade de agir em prol do nazismo deve ser restrita.

Pessoalmente, eu sou contra. Eu não aceito que nazistas – e algumas outras ideologias – disputem eleições democráticas. Mas sou favorável à liberdade dessa discussão. Não me escandalizaria com o fato de que alguém, num espaço aberto de discussão, assuma a premissa e defenda a possibilidade. Ao contrário, teria a maior paciência do mundo em mostrar que, além do criminoso histórico de destruição, a presença de nazistas faz colapsar a própria democracia.

Antes de serem perigosas – e não estou dizendo que não são –, as ideias nazistas estão erradas. É fácil demonstrar o erro. Elas ferem um princípio básico para a existência da própria sociedade civil: todos os membros da comunidade moral devem ser reconhecidos como pessoas. Não há critério racial para justificar a clivagem no interior desse espaço. O nazismo não é proibido só pelo que fez, mas também pelo próprio princípio de diferenciação e destruição. Uma democracia verdadeiramente robusta não poderia aceitá-lo por princípio.

Destruir ideias é diferente de destruir pessoas. Entretanto, quem destrói pessoas são pessoas e não ideias. De fato, há ideias que prescrevem a diferenciação e destruição dos outros. O que fazer com essas ideias? O que fazer com as pessoas que defendem tais ideias? A melhor forma de ideias erradas serem destruídas antes que elas possam ser usadas para legitimar a destruição de pessoas é discuti-las livremente. E só um regime de liberdade tem o poder de destruir ideias erradas e potencialmente perigosas sem o risco de destruir pessoas.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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