Considero o personalismo antropológico uma das mais consequentes abordagens acerca da condição humana. Por uma simples razão: os personalistas não fazem distinções arbitrárias entre corpo e identidade pessoal, não esvaziam o indivíduo de suas relações históricas e culturais, e não reduzem o homem ao que convém. Noutras palavras, não fragmentam o ser humano, como fazem as ideologias. Se somos alguém, como diz Fernando Pessoa, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.
Com relação à capacidade de ter consciência de si mesmo, o personalismo destaca o peso das nossas experiências subjetivas e o quanto somos capazes de refletir sobre nossas próprias percepções, emoções e pensamentos. A consciência de si mesmo, combinada com a capacidade de tomar decisões e agir conforme nossas intenções, contribui, mas não limita o sentido de ser um indivíduo singular e autônomo. Entretanto, para o personalismo, não somos só um indivíduo autônomo, racional e livre. Somos, além disso, constituídos por relações interpessoais.
A identidade humana é construída e moldada por meio dos nossos laços familiares, nossas amizades, as interações com a comunidade e a participação em grupos sociais. Esses são elementos que desempenham, além da nossa autonomia individual, a construção da nossa identidade pessoal. Afinal, as conexões interpessoais ajudam a definir quem somos, influenciando nossos valores, crenças e comportamentos. O individualismo autônomo e a identidade coletiva não são suficientes para determinar o que somos.
Os personalistas não fazem distinções arbitrárias entre corpo e identidade pessoal, não esvaziam o indivíduo de suas relações históricas e culturais, e não reduzem o homem ao que convém. Noutras palavras, não fragmentam o ser humano, como fazem as ideologias
Para além de tudo isso, há o problema da corporeidade. Embora a identidade vá além do corpo físico, não podemos ignorar a importância do corpo na formação da identidade. Nossa corporeidade, incluindo características físicas, saúde, habilidades e limitações, influencia nossa percepção de nós mesmos e como somos percebidos pelos outros. O personalismo reconhece e defende a corporeidade como categoria constitutiva da identidade da pessoa humana. Literalmente, ele aborda a pessoa como um ser encarnado.
Mediante o corpo, a pessoa se expressa, comunica, experimenta sensações e emoções e se engaja em todas as formas de atividade. O corpo é o meio pelo qual nos relacionamos com o ambiente, interagimos com as pessoas e experimentamos a realidade. É por meio da corporeidade que a pessoa se manifesta e se faz presente no mundo.
O personalismo enfatiza a unidade entre corpo e pessoa, rejeitando qualquer dualismo que possa separar a dimensão física da dimensão espiritual ou mental. O corpo não é visto como um mero instrumento, mas como uma expressão concreta e visível da pessoa como um todo.
A fim de melhor compreender o ser humano e sua dimensão corporal, os personalistas fazem uma distinção entre corpo biológico e o que é chamado de “corpo próprio” ou “corpo pessoal”. O corpo biológico refere-se à dimensão física do ser humano, composta por órgãos, sistemas fisiológicos e características biológicas. É o aspecto objetivamente observável e mensurável do corpo, que pode ser estudado pelas ciências naturais e compreendido por meio de categorias biológicas e físicas.
Por outro lado, o “corpo próprio” ou “corpo pessoal” é a maneira como a pessoa experimenta e se apropria subjetivamente do seu corpo. É a vivência subjetiva e individual da corporeidade, incluindo a percepção sensorial, a consciência corporal e a experiência de ser um sujeito no mundo. Não tenho um corpo, sou meu próprio corpo. E é por meio do “corpo próprio” que eu me faço pessoa e sou capaz de agir, interagir e experimentar o mundo de forma única. É a partir do “corpo próprio” que nós vivenciamos emoções, percepções e ações que são pessoalmente significativas.
A perspectiva personalista ressalta a importância de uma integração harmoniosa entre o “corpo biológico” e o “corpo próprio”. Os personalistas reconhecem que a vivência subjetiva do corpo é parte intrínseca da identidade pessoal, e enfatizam que essa vivência não pode ser dissociada da realidade objetiva da natureza humana. A perspectiva personalista reconhece que o corpo biológico é uma parte essencial da pessoa e que sua dimensão física é uma realidade objetiva que não pode ser simplesmente negada, ou redefinida por desejos individuais. Aqui, gênero e sexo não podem ser simplesmente dissociados.
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