Na sexta-feira, 17 de dezembro, o papa Francisco completou 85 anos. Gosto do seu “jeitão” todo pastoral de conduzir a Igreja. Às vezes, em entrevistas, parece dar seus tropeços. Ora, mas até Pedro, em sua simplicidade de pescador, também deu. Paulo, ao contrário, era guerreiro e teólogo.
A história da Igreja e a Igreja na história traz a beleza dos dilemas humanos e respeita a personalidade e vocação de cada um. Em alguns momentos, a Igreja necessita de pescadores. Noutros, de pastores. Existiram papas guerreiros, diplomatas, filósofos e santos. A Igreja Católica está no mundo há 2 mil anos e acumulou sabedoria suficiente para saber se manter no mundo sem ser aniquilada pela total adequação ao mundo.
O momento sensível de hoje exige um pastor. Ontem, exigiu um teólogo. No Renascimento, um guerreiro. Durante a Segunda Guerra, um diplomata
Muitos católicos, hoje, tomados pelo espírito bélico alimentado pelo imaginário ideológico anticomunista, antiliberal, antissocialista, anticapitalista e até anticatólico, querem um papa guerreiro, não um papa pastor. Não querem Francisco. Na verdade, querem um papa que satisfaça os próprios tormentos políticos, que combata impiedosamente os inimigos. Contudo, a finalidade da Igreja é anunciar o Evangelho de Cristo e não ceder ao delírio triunfalista dos ideológicos.
Eu, olhando a história da Igreja e a Igreja na história, penso o seguinte: o momento sensível de hoje exige um pastor. Ontem, exigiu um teólogo. No Renascimento, um guerreiro. Durante a Segunda Guerra, um diplomata. E, entre a opinião da maioria tresloucada em busca de um líder enérgico para conter as nossas próprias fraquezas e o milenar Magistério da Igreja, que soube se manter no mundo sem se familiarizar demasiadamente com o mundo, eu fico com a Igreja.
Quando me converti, ninguém me provou, por meio de sofisticados cálculos e argumentos abstratos, a existência de Deus; ninguém me deu evidências, cabalmente comprovadas, de que Jesus de Nazaré era o Cristo, e que Ele foi morto, sepultado e ressuscitou no terceiro dia. Não se trata de provas. E eu não exigia isso. Tampouco me deram um esporro, um berro ou um tapa. Deram-me testemunho. Vieram-me ao encontro com toda disposição pastoral. Eu precisava de narrativa pessoal.
Na época, eu era um jovem leitor assíduo de Nietzsche, Baudelaire e Heidegger. Tinha muitas certezas. E uma delas era a inexistência de Deus. Hoje, tenho muitas dúvidas que atingem o “coração” – o centro de todo pessoa – em sua forma íntima. Este centro com o qual mergulhamos no abismo, este vazio de nós mesmos. E é lá onde descobrimos que Deus não está morto, pois Ele vive e reina.
A propósito deste Reino que o Natal sempre me faz lembrar, gostaria de dizer o seguinte: o pequeno Jesus de Nazaré não nasceu em berço de ouro e, quando homem feito, Cristo não morreu na glória: traído, açoitado, debochado, motivo de chacota entre romanos, de ódio entre os judeus, morreu crucificado. Cristianismo é escândalo: há 2 mil anos cristãos são perseguidos, torturados e martirizados.
Cristãos superaram o Império Romano, a perseguição árabe, alguns foram massacrados por chineses, japoneses e turcos. Venceram o Terror da Revolução Francesa, a noite escura da Revolução Russa... enfim, toda vez que vejo qualquer pagãozinho secularista tentando debochar do “sentimento religioso” dos cristãos, atacando seus símbolos mais caros, lembro-me que o cristão é o sal da terra e Cristo, a Luz do Mundo. Mas nada pior que o cristão que persegue em nome da fé, por medo e vingança.
A finalidade da Igreja é anunciar o Evangelho de Cristo e não ceder ao delírio triunfalista dos ideológicos
Por isso, diante do deboche do mundo para com o amor cristão, lembro-me da confiança de Nossa Senhora, do martírio de Estêvão, da conversão de Paulo e da brutal morte de Pedro, da solidão de Santo Antão, da vida de Santo Agostinho, da coragem de Santa Cecília, dos hinos de Santa Hildegarda de Bingen, da Suma Teológica de Tomás de Aquino, da catedral de Estrasburgo, da entrega de São Francisco de Assis, dos quadros de El Greco, da música de Palestrina, da Paixão segundo São João de Bach, do Réquiem de Mozart, da filosofia de Leibniz, dos estudos de Christophorus Clavius, dos monges trapistas, do martírio dos monges cartuxos retratado no filme O Grande silêncio.
Enfim, lembro-me ainda da minha avó rezando ao pé da cama, do Kyrie Eleison que minha mãe cantarolava, da firmeza teológica de Bento XVI e da doçura pastoral do papa Francisco. Toda a minha loucura por vingança, toda a minha ira para com o mundo, passa num instante e compreendo o sentido de ser cristão.
Um Feliz Natal, caros leitores!