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De todas as perguntas que os filósofos formulam, uma das mais desafiadoras sem dúvida nenhuma ainda é aquela que diz respeito ao próprio ser humano: o que é isto — o homem? Da minha parte, sempre fui meio que obcecado com o tema, sobretudo quando a pergunta recai no problema do sentido ou do propósito. A liberdade fundamental de que podemos pôr fim à própria vida implica na dramática exigência sobre qual a razão de continuarmos vivos caso não encontrarmos algum propósito.

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Quando comecei a estudar filosofia, a pergunta ganhava contornos a partir da consciência e da experiência da minha própria morte. No início, muito mais um sentimento pessoal, mas que depois descobri se tratar de nada mais nada menos do que o sentimento trágico da vida — título do grande livro do filósofo espanhol Miguel de Unamuno — que inspira os filósofos a continuarem filosofando, mesmo sabendo que o próximo passo estará sempre infinitamente distante de uma resposta definitiva.

Finitude é aquele típico termo filosoficamente gourmet — com o perdão da expressão — para descrever o fato mais brutal e inevitável da condição humana: ser mortal e ter consciência disso. Um termo que deve ser formulado em conjunto com a experiência de absurdo. Ser finito e a um só tempo não encontrar propósito. Por mais que as pessoas nem pensem nisso no dia a dia, a angústia de viver uma vida sem sentido é proporcional ao modo de vida que elas levam. Não à toa a quantidade de distrações que inventamos para esquecer dos problemas fundamentais.

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Tudo muda quando a gente reconhece que nossa vida deve ser vivida como se cada dia fosse o último. É indispensável se esforçar para colocar as coisas em perspectiva correta. Hoje eu já não me apavoro tanto diante da possibilidade da finitude. O que me constrange não é a finitude. Acho que aprendi a lidar com isso. Conseguir encontrar serenidade da alma diante do escândalo da morte e ver nisso certa ironia é um projeto de vida que levo muito a sério.

Constrangedora mesmo é a crença de que um ser mortal e imperfeito conseguirá, um dia, tirar de si mesmo a razão de sua própria existência. Gastamos muito tempo acreditando nesse otimismo bobo. Esse é o principal motivo que me afasta do progressismo liberal, e de todo evangelho otimista que tenta sustentar que a felicidade está em você, mas o inferno são os outros. Em resumo, o silogismo do otimismo humanista é simples:

Todo homem é autossuficiente.

Eu sou um homem.

Logo sou autossuficiente.

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Embora assumida como tal, a premissa maior não se sustenta. Para um liberal progressista, o sentimento mais forte é o de que ele encontra em si a razão de seu viver. Bonito, mas patético. O termo médio, homem, significa ora humanidade ora indivíduo. Ambiguidade conceitual que não pode ser desfeita. Em homem, há o sentido de que todo indivíduo – e não a humanidade em geral — é um ser autossuficiente. Isto é, ele basta a si mesmo e não precisa de nada além de si mesmo para encontrar a razão de seu viver. No reflexo de si do indivíduo, há o salto para o valor de toda humanidade. Se cada um viver na sua e realizar seus próprios interesses, progredimos.

Tomar consciência da minha humanidade — a premissa menor: eu sou homem ou eu sou um indivíduo — e inferir que sou um indivíduo autossuficiente só faz sentido como crença que nega a própria condição humana: a de ser mortal e insuficiente. O que significaria ser autossuficiente? Não depender de nada além de mim mesmo para viver. Ser o senhor de si. A experiência mais básica humana demonstra justamente o contrário: por ser mortal, o homem é insuficiente. Por ser insuficiente, ele depende de interrelações. Ou seja: depende de outros indivíduos para nascer, para sobreviver, para viver... Portanto, não pode ser indivíduo exceto quando está em relação de dependência com os outros, isto é, em comunidade.

O humanismo, no sentido liberal progressista, concebe o homem enquanto indivíduo independente, aquele que é capaz de encontrar em si mesmo a razão de seu ser e viver. Sem mediações, o indivíduo não é nada além disso aqui, vivo para satisfazer seus interesses. Ora, como apresentou Kant a respeito das grandes interrogações humanas: se eu resolvo o problema de quem eu sou, então eu resolvo duas interrogações humanas fundamentais: como eu devo viver? (o problema ético); o que posso esperar? E é justamente da resposta a essas perguntas que o liberalismo progressista se torna um modo de vida religioso cujo indivíduo é o deus soberano de si mesmo.