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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Ideias

Olhe para onde você quiser

(Foto: Divulgação Netflix)

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O filme mais badalado do momento, Não Olhe para Cima, pode muito bem ser interpretado como uma metáfora para vinda de Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador — mesmo que o próprio diretor diga o contrário e desrespeite a inteligência de seu público.

Não importa. Como vocês sabem, parafraseando os críticos, o filme foi feito pra gente de fé, tem vida própria e é uma obra aberta — para lembrar da definição de arte do Umberto Eco. Noutras palavras: quem ele mais deveria atingir, isto é, infiéis, interpretará a trama de forma literal achando que se trata de colapso climático e nem perceberá as ironias e sutilezas.

Então vamos lá, caro leitor, vou te ajudar a desvendar o que ninguém mais conseguiu ver, pois só a gente de fé genuína consegue.

Para começar, a relação da vinda de Cristo com um astro é bem conhecida pela tradição da comunidade de fé e vocês não poderiam deixar isso passar — A Estrela de Belém revelou o nascimento de Jesus, e o filme foi, por uma alegre coincidência, lançado próximo ao Natal.

Note o seguinte: simbolicamente retratado no filme pela figura de Janie Orlean, como presidente do EUA, que aqui funciona como uma espécie de Herodes, os políticos representam o papel do patético poder que se vê ameaçado pela vinda do Reino de Deus. Fora a cúmplice relação com aqueles que detém o poder econômico e tecnológico — retratado pelo patético Peter Isherwell, CEO de uma empresa de tecnologia que tentará de tudo para explorar o gigante meteoro, numa clara alusão àqueles que exploram a religião e prometem salvar a humanidade pela economia.

Há dois momentos em que isso fica evidenciado: Isherwell era “o cara que comprou a Bíblia de Gutenberg e a perdeu”. Vale lembrar quer explorar as riquezas do cometa a fim de “levar a humanidade através dos pilares de Boaz e Jachin”, as duas colunas ficavam na frente do Templo de Salomão. Como ninguém mais notou essa sutileza?

Não à toa o fim trágico destinado a esses personagens, os verdadeiros representantes do negacionismo do final do mundo, cujo interesse se resume a riqueza, poder e glória.

Construído em roupagem científica, a narrativa se revelando cada vez mais religiosa. Ou pelo menos demonstra os perigoso de ciência se tornar uma religião substituta.

O ponto de virada está quando Kate Dibiasky vê diretamente o cometa no céu noturno, e não apenas evidências pelo telescópio. Depois de desacreditada pela imprensa e ridicularizada pelas redes sociais, a jovem pesquisadora, responsável pela descoberta do cometa e que termina seus dias como caixa de supermercado, conhece Yule, um jovem skatista que a princípio nega a educação evangélica recebida dos pais.

Para quem não sabe, a palavra “Yule” significa “nascido no Natal”, em anglo-saxão antigo. Yule representa no filme a geração de jovens despreocupadas com o destino da humanidade. Embora ele e seus amigos tenham Kate como verdadeira heroína. Numa das cenas mais lindas do filme, que é quando o cometa de fato aparece no céu noturno e pode ser visto a olho nu, Yule se põe a rezar e retorna à fé de seus pais. Kate chega até debochar da fé do garoto.

No entanto, mais tarde, bem no finalzinho do filme, durante um jantar comovente em que estão reunidos a família de Mindy e alguns amigos, Yule lança em outra linda e sincera oração — pedindo ao "Pai Deus" para nos banhar com Sua graça, misericórdia e amor, mesmo que não mereçamos isso.

Para finalizar, temos Randall Mindy, retratado como verdadeiro apostolo do fim dos tempos. No processo de anúncio da verdade da vinda como meteoro, que o mundo ora debocha, ora instrumentaliza, ora politiza, Mindy cai em tentação ao se envolver com a jornalista — quem nunca pecou que atire a primeira pedra. Até Pedro negou Cristo. No final, Mindy se redime no amor e fé de sua esposa.

Há dois finais bastante simbólicos: o primeiro é a belíssima reconstrução da santa ceia e, depois, o purgatório. Portanto, é sim um filme se refere a uma sátira sobre o negacionismo, ou seja, sobre todos aqueles que negam Cristo.

Viu só Atila Iamarino, a gente vê o que “deseja ver”.

Caro leitor, espero que você perceba a ironia desse texto, e o mais importante: olhe para onde você quiser!

Feliz 2022.

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