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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Onipresença do racismo estrutural

Dentre um universo de possibilidades de interpretação da sociedade, racismo estrutural é apenas uma teoria e não um fato incontestável. (Foto: Pixabay)

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Dentre um universo de possibilidades de interpretação da sociedade, racismo estrutural é apenas uma teoria e não um fato incontestável. Não se trata de uma lei da história e muito menos de uma entidade onipresente e demiúrgica que criou a sociedade à sua doentia imagem e semelhança. Como teoria social vinculada a uma certa tradição filosófica, pretende explicar (e de certa forma combater) um conjunto de práticas racistas.

Se é boa teoria já são outros quinhentos. Só não se demonstra o racismo estrutural apontando para práticas racistas, porque seria uma petição de princípio: discriminação racial existe por causa do racismo estrutural; o racismo estrutural pode ser demostrado pela quantidade de discriminação racial. As estatísticas de discriminação não demonstram o racismo estrutural. Na verdade, a teoria do racismo estrutural explica e combate a discriminação racial. Por que ainda existe tanta discriminação racional?

O pressuposto racional da teoria, seu status teórico, não pode ser sustentado apenas por dados empíricos, já que uma teoria social precisa oferecer um grau razoável de compreensão que justificaria/explicaria os casos de racismo. Em outras palavras, a existência de casos de discriminação racial não pode, simplesmente, justificar/explicar os casos de discriminação racial.

Não preciso dizer que não estou usando o termo “justificar” no sentido de "legitimidade". No entanto, quando uma sociedade está sendo julgada e condenada por sustentar uma estrutura fundamentalmente racista, é preciso identificar quais são os ideais — e não exatamente as práticas — que condicionam a possibilidade dessa estrutura.

No âmbito teórico, o racismo estrutural pode e deve ser criticado e defendido como qualquer outra teoria. Por outro lado, toda e qualquer prática racista deve ser veementemente combatida com todas as forças — morais e penais. No debate público, com sua dinâmica e tensões, com seu timing, não há como investigar todos os pressupostos da teoria do racismo estrutural. Aceitamos que o racismo precisa ser combatido. E, se a teoria do racismo estrutural apresenta boas formas de combate ao racismo, então se torna uma concepção — provisoriamente? — promissora. O problema é quando a teoria acaba exercendo um efeito muito mais retórico do que propriamente científico.

Basicamente a teoria do racismo estrutural reza que o racismo não diz respeito a comportamentos individuais ou experiências subjetivas. Não tem a ver com intenções subjetivas racistas. Segundo os teóricos, a sociedade moderna se estrutura de forma racista em todas suas instâncias — do direito à economia, da política à educação, do entretenimento à religião. A estrutura racial, portanto, “naturaliza” práticas racistas sem que os indivíduos tenham consciência disso. Nesse sentido, a responsabilidade pessoal é irrelevante para a teórica do racismo estrutural.

Sendo assim, além de qualquer tentativa de análise crítica à teoria do racismo estrutural ser acusada de manutenção do racismo, qualquer acontecimento social será lido à luz de sua dimensão racial. Mesmo que você não intencione qualquer prática racista, você será racista por viver nesta sociedade estruturada racialmente. Destruir o passado inglorioso dessa sociedade racista seria o corolário legítimo para a construção de uma nova sociedade.

Veja um exemplo. O senso moral sabe que há pelo menos duas coisas que um professor e pesquisador jamais deveria fazer nesta vida: plagiar e fraudar o currículo. Assim como buscar o bem e evitar o mal, trata-se de um princípio ético básico que exige o compromisso de todo pesquisador e professor. Se você não tem doutorado, você não pode colocar no currículo que tem doutorado. Se você vai escrever um texto, não pode copiar de alguém e dizer que você escreveu.

Nesta semana os holofotes foram jogados em Carlos Alberto Decotelli da Silva, nomeado para Ministro da educação. Para surpresa de todos, foi demonstrado que ele não só fraudou o currículo como plagiou um texto em sua tese de mestrado. O fato de Decotelli ser negro deveria ser completamente irrelevante aqui, não é mesmo? Pois é, deveria ser irrelevante, mas para os teóricos do racismo estrutural não é.

Silvio Almeida, proeminente defensor da teoria do racismo estrutural, escreveu em sua conta no Twitter uma análise sobre o caso de Decotelli ter mentido no currículo. Ele chamou a sequência de “Um fio sobre consciência racial, responsabilidade e o ‘direito de mentir’” (isso mesmo, com aspas em direito de mentir).  Segundo Silvio: “A consciência racial é também uma forma de autodefesa. Aprendi logo cedo que seria cobrado pelas minhas ações e palavras de uma forma que as pessoas brancas jamais seriam”.

Como ele mesmo diz, isso é pura autodefesa. Dialogar com a própria consciência a respeito de sua condição racial não o autoriza a dizer que uma pessoa (qualquer pessoa) não faça profundas exigências morais para si mesma. Aqui não se trata de consciência racial, mas de pura experiência da consciência moral, com dimensões universais e não raciais. Praticar o bem e evitar o mal não é um princípio que serve para uma determina raça.

Silvio Almeida literalmente diz que “mentir no currículo têm consequências devastadoras quando se é negro, pois todos vão olhar para a sua raça e vinculá-la ao erro cometido. A avaliação moral não será feita sobre o indivíduo, mas sobre os negros em geral. É assim que funciona o racismo". Na verdade, é assim que funciona o racismo estrutural, pois mentir no currículo tem consequências devastadoras para qualquer pesquisador.

Curiosamente, as únicas pessoas preocupadas em julgar as fraudes de Decotelli por ele ser negro são os adeptos da teoria do racismo estrutural. Carlos Alberto Decotelli da Silva está sendo cobrado por ter fraudado o currículo. A avaliação moral pesa sobre a pessoa de Carlos Alberto Decotelli da Silva e não a de um “negro” que fraudou o currículo. Quem evocou a consciência racial aqui e não a consciência moral foi justamente o maior divulgador da teoria do racismo estrutural.

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