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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Cinema

A capacidade de não ser domesticado

Cena de "Planeta dos Macacos: A Origem", de 2011. (Foto: Twentieth Century Fox Film Corporation/Divulgação)

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Assisti ao recente Planeta dos Macacos: O Reinado. Sempre me interessei pela saga de César, desde o primeiro filme, Planeta dos Macacos: A Origem. Como eu sabia que César não estaria presente em O Reinado, fui sem nutrir expectativas. Confesso que fiquei surpreso pela qualidade da narrativa. Por isso, resolvi compartilhar com vocês uma série de textos sobre a saga. A história de Planeta dos Macacos nos ensina muito sobre nossas relações políticas. No fundo, não é um filme sobre símios, mas sobre nossos dramas humanos. Para ser preciso, gostaria de tratar apenas desses dois filmes, porque acredito que eles se conectam de forma perfeita. Hoje, escreverei sobre o sentido da liberdade política em César, sobretudo em sua dimensão republicana. Na semana que vem, falarei de Noa, protagonista de O Reinado, e o que ele nos ensina sobre a liberdade interior.

Depois do fiasco do filme de 2001 dirigido por Tim Burton, Planeta dos Macacos: A Origem (2011) serve como ponto de partida da franquia. Dirigido por Rupert Wyatt, o filme narra o começo da revolução dos macacos e a queda da humanidade. Na verdade, trata-se de uma reformulação da saga. A série original começou lá em 1968, quando eu ainda não era nem nascido. A sequência é: Planeta dos Macacos (1968); De Volta ao Planeta dos Macacos (1970); Fuga do Planeta dos Macacos (1971); A Conquista do Planeta dos Macacos (1972); A Batalha do Planeta dos Macacos (1973); o filme de Tim Burton e a sequência recente, Planeta dos Macacos: A Origem (2011); Planeta dos Macacos: O Confronto (2014); Planeta dos Macacos: A Guerra (2017); e Planeta dos Macacos: O Reinado (2024).

No contexto das ideias republicanas, a liberdade é entendida não apenas como a ausência de interferência direta, mas como a ausência de dominação arbitrária

Ficarei só com a sequência recente, que conta a história de César, um chimpanzé criado em um laboratório. A pesquisa é comandada por Will Rodman, um cientista que busca a cura para o Mal de Alzheimer em virtude de a doença atingir seu pai. Will desenvolve uma droga experimental, ALZ-112, que aumenta significativamente a inteligência dos macacos. César, um macaco que nasceu de uma mãe submetida ao experimento, demonstra habilidades cognitivas extraordinárias natas. Como ele não pode ficar mais no laboratório, César é criado por Will. Após um incidente em que ele ataca um vizinho agressivo para proteger o pai de Will, César é preso. A princípio, isso demostra sua lealdade e também o desenvolvimento de uma consciência moral emergente.

Na prisão, César começa a se ressentir profundamente por Will, já que, inicialmente, César o via como uma figura paterna. Porém, ao ser confinado, ele sente-se traído e abandonado. César percebe que, apesar das boas intenções de Will, sua situação de cativeiro é consequência direta das ações do próprio Will. Esse ressentimento cresce à medida que César vive diariamente a crueldade e a injustiça cometidas contra ele e seus semelhantes. Nesse ponto, César passa a questionar a natureza do relacionamento entre humanos e macacos e a buscar sua própria independência e liberdade. O filme culmina com a fuga dos macacos para a floresta Muir, que marca o início da ascensão dos macacos e o declínio da humanidade.

Esse é o resumo, e eu gostaria de refletir sobre uma das mais importantes cenas do filme: quando César é capaz de dizer “não”. Durante uma tentativa de punição por parte do cruel tratador Dodge Landon, uma espécie de algoz da prisão, César, agora consciente de sua força e inteligência, se levanta, agarra o bastão de choque de Dodge e grita “Não!”. Esta palavra, vinda de um macaco, choca todos ao redor e marca o despertar de César como líder da revolução dos macacos.

Politicamente, por que o “não” é tão significativo?

No contexto das ideias republicanas, a liberdade é entendida não apenas como a ausência de interferência direta, mas como a ausência de dominação arbitrária. César, ao dizer “não”, realiza um ato político fundamental e originário. Ele recusa a submissão e a dominação arbitrária imposta pelos humanos (no filme O Reinado isso se repetirá de alguma forma). Esse momento simboliza a ruptura com a condição de servidão e marca o início da luta por uma sociedade onde os macacos possam viver sem o medo constante de serem oprimidos. Muito mais do que um símbolo de resistência e de reivindicação de autonomia, o “não” de César é fonte originária de uma comunidade política.

Para os macacos que testemunham o ato, o “não” de César é um despertar para a possibilidade de uma vida nova. Para César, é o momento de autorreconhecimento e de assunção de sua própria consciência de liderança. Ainda segundo as ideias republicanas, a verdadeira liberdade requer a consciência de si e dos próprios direitos. Quando César fala, ele não só articula uma recusa ao poder abusivo, mas também é capaz de afirmar sua dignidade e a de seus iguais. Ele abre o caminho da não sujeição. Neste ato, César rompe a experiência de mera sobrevivência biológica e entra no reino da ação política. Para ser filosoficamente, a ideia é bem aristotélica, já que é a linguagem que faz o homem ser um animal político e não uma besta.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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