Aristóteles é um dos filósofos que mais gosto de discutir em sala de aula com meus alunos de Filosofia. Principalmente a concepção que ele desenvolve de felicidade em sua ética filosófica. Em grego, felicidade se diz “eudamonia”, de difícil tradução para a nossa sensibilidade liberal que acredita no bem-estar como fim último da realização de um indivíduo.
Para Aristóteles, felicidade, ou eudamonia, consiste na atividade da alma, segundo uma virtude perfeita, numa vida completa.
Belíssima definição, embora nada fácil de explicar. Ainda mais para adolescentes que crescem com duas ideias vazias de realização pessoal. Primeiro, de que a felicidade é algo que acontece em nós. Um estado psicológico passageiro. Estar feliz, em nosso contexto, significa satisfazer prazeres. De fato, é gostoso descansar quando estamos cansados, dormir quando estamos com sono, comer quando estamos com fome, beber água quando estamos com sede. Segundo, de que a felicidade depende do indivíduo, como se fosse uma realização pessoal. Quando Aristóteles diz que somos naturalmente políticos, ele não quer dizer que nossa vida estava fadada ao problema do poder. “Política”, aqui, se refere à realização humana na polis, ou seja, de que somos seres que dependem uns dos outros para viver e viver bem.
Para Aristóteles, felicidade, ou eudamonia, consiste na atividade da alma, segundo uma virtude perfeita, numa vida completa
De fato, é extremamente satisfatório receber elogios de pessoas interessantes, ganhar muitas curtidas nas redes sociais, ser famoso e ter dinheiro o suficiente para gastar sem preocupações. Mas isso é o bastante para nos fazermos felizes? Para explicar o conceito de amizade, eu gosto de recorrer a alguns filmes que me marcaram. Por incrível que pareça, um deles é Carros, animação da Pixar lançada em 2006. Por que Carros é uma história aristotélica?
Carros se passa em um mundo onde os automóveis são seres conscientes e vivem vidas semelhantes às dos seres humanos. Na verdade, uma bela analogia a respeito da jornada de amadurecimento do protagonista chamado Relâmpago McQueen.
McQueen é um carro de corrida novato e muito arrogante que sonha em vencer a Copa Pistão. Uma espécie de Neymar Jr. que sonha em ganhar a Copa do Mundo e vive a eterna aventura da molecagem. Naquele universo, a Copa Pistão é o campeonato de corridas mais importante do mundo. No entanto, logo após empatar uma prova com outros dois concorrentes, McQueen se perde a caminho da corrida decisiva e acaba em Radiator Springs, uma cidadezinha antiga e isolada na famosa Rota 66. Essa cidadezinha representa a velha ideia de comunidade, que no meu entendimento tem muito a ver com o conceito aristotélico de que a vida humana só se realiza em comunhão com outros seres humanos.
Lá, McQueen é obrigado a realizar trabalhos forçados como punição por danificar a rua principal da cidade. Durante sua estadia forçada em Radiator Springs, ele conhece vários personagens, incluindo Sally, uma jovem advogada que deixou a cidade grande para viver uma experiência autêntica no interior; Mate, um caminhão de reboque caipira que representará o conceito de philia para McQueen; e Doc Hudson, um ex-piloto de corridas que se tornou juiz.
Cada personagem se refere a um tipo moral que ajudará McQueen em sua jornada de amadurecimento. Não há felicidade sem uma vida completa. Radiator Springs oferecerá o horizonte de experiência para McQueen crescer como pessoa. Isso significa não ser um obcecado pela fama e pela glória de ganhar a Copa Pistão.
Mas a lição mais importante ele aprenderá com Doc Hudson, cujo nome verdadeiro é Hudson Hornet. Ele foi um carro de corrida lendário que competiu nas pistas de corrida durante a década de 1950. Para surpresa de McQueen, ele não ganhou apenas uma, mas três Copas Pistão consecutivas. Uma lenda. O Pelé das pistas.
Doc Hudson é um personagem emblemático que simboliza a transição de uma vida de sucesso egoísta para uma vida de significado, contribuição e amizade
Depois de uma séria colisão durante uma corrida, Hudson se retirou do automobilismo competitivo e desapareceu do cenário. Aprendeu que fama e sucesso só valem quando estamos em destaque. Minto. Na verdade, para ser preciso, desapareceram com ele. O acidente destruiu a carreira de Hudson, que foi desprezado pela comunidade automobilística.
Depois disso, ele se estabeleceu na pacata cidade de Radiator Springs, onde adotou o nome “Doc” e começou uma nova vida como juiz da cidade. Doc Hudson é reservado e vê Relâmpago McQueen como um moleque arrogante, desrespeitoso e incapaz de correr como um campeão de verdade. Doc Hudson é um personagem emblemático que simboliza a transição de uma vida de sucesso egoísta para uma vida de significado, contribuição e amizade. Por isso, a história de McQueen espelha a própria tragédia de Doc. Ele decide treinar McQueen, tornando-se um verdadeiro mentor do rapaz.
Não darei spoiler. Mas aviso para quem ainda não assistiu: o fim do filme mostra exatamente como McQueen toma uma profunda e autêntica decisão que representa a atividade de sua alma, segundo uma virtude perfeita, numa vida completa. Se a vida vale a pena ser vivida, ela só tem valor quando é compartilhada.
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