A renomada filósofa Hannah Arendt destacou que os seres humanos não são apenas mortais, mas também seres que nascem. O ser voltado para a morte é igualmente o ser voltado para a vida. No conceito de natalidade, encontra-se o verdadeiro “milagre da liberdade”; no ato de “nascer”, e não apenas no mero fato biológico de reprodução, reside o poder fundamental de “começar”, isto é, “que cada indivíduo representa um novo começo, pois através do nascimento ele traz ao mundo algo que não existia antes e que continuará após sua partida”. Isso é exatamente o que o suposto direito sexual e reprodutivo aniquila ao reduzir a mulher a uma mera reprodutora biológica. O direito ao aborto representa, de fato, um ataque à humanidade das mulheres, e não sua emancipação.
Como busquei elucidar em meu livro Contra o aborto, lançado em 2017, existe uma intrincada rede composta por entidades nacionais e internacionais, governamentais, intergovernamentais e não governamentais, que defende o aborto há pelo menos meio século. Alguns dos nomes mais proeminentes incluem Planned Parenthood, Ipas, Cfemea e, infelizmente, a própria ONU.
O termo “debate” – que deveria significar um confronto aberto e ponderado de ideias, guiado por regras claras de argumentação racional –, no contexto retórico de uma sociedade indulgente, passa a representar nada mais do que a “urgente necessidade de promover uma agenda” pró-aborto. Não há verdadeiro debate, mas sim proselitismo, e qualquer oposição é prontamente rotulada como extremista e radical, ou, em outras palavras, desumana.
O direito ao aborto representa, de fato, um ataque à humanidade das mulheres, e não sua emancipação
O marco histórico crucial para essa mudança semântica em relação ao aborto pode ser rastreado até o caso Roe v Wade, quando a Suprema Corte dos EUA decidiu, em 1973, que a mulher tinha o direito de interromper a gravidez.
No debate sobre o aborto, a proteção do direito à vida do nascituro foi obscurecida pelos ideais de liberdade sexual e direitos reprodutivos das mulheres. Surgiu uma falsa dicotomia entre dois direitos fundamentais: vida e liberdade. Como se o direito à vida do embrião fosse uma violação do sagrado direito de liberdade sexual da mulher. Contra esse cenário cultural, a defesa do status moral do embrião foi relegada a um mero apelo metafísico, justamente em uma era de desdém pela metafísica. A decisão Roe v Wade deve ser vista como um marco e entendida na perspectiva filosófica adequada: um sintoma da degradação moral que a década de 60 simboliza. A legalização do aborto não é a causa, mas um dos efeitos das profundas crises espirituais geradas pelo século 20.
É importante destacar que um dos documentos mais relevantes da Igreja Católica sobre natalidade foi publicado em 25 de julho de 1968, apenas dois meses após os movimentos estudantis sacudirem a Europa e os Estados Unidos. Refiro-me à encíclica Humanae Vitae, do papa Paulo VI. A primeira linha da encíclica define o tom de toda essa triste realidade. Paulo VI afirma: “O gravíssimo dever de transmitir a vida humana”. Pois é disso que se trata quando falamos em ser – homens e mulheres – “parceiros” na transmissão da vida e na colaboração com Deus: um dever gravíssimo. A noção de direitos reprodutivos femininos subverte essa seriedade, criando a ilusão de que a vida humana é trivial.
Retoricamente, as entidades envolvidas na legalização do aborto no Brasil são imitações e extensões de suas contrapartes internacionais. As mais notórias e ativas são Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, Católicas pelo Direito de Decidir e o Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA). De alguma forma, todas essas entidades estão associadas à pressão que o Supremo Tribunal Federal tem enfrentado para legalizar o aborto, o que é um absurdo, já que o aborto deve ser tratado no âmbito do Poder Legislativo e não do Judiciário. Embora essas pessoas, como membros da sociedade civil, tenham todo o direito de se organizar e defender o que acreditam ser o melhor para a sociedade, o problema reside na estratégia empregada: dissimulação, manipulação de dados, desinformação e excesso de retórica. O pior de tudo é assistir a um Judiciário completamente comprometido com essa agenda.
Sinceramente, vejo a necessidade de adotarmos uma postura clara e racional no debate público sobre o aborto. Além de toda a retórica superficial do ativismo sensacionalista, é essencial entendermos o aborto não apenas como uma questão médica ou legal, mas como algo que diz respeito à nossa própria humanidade.