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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Filme

“Procurando Nemo” e Aristóteles

Nemo e seu pai, Marlin, em "Procurando Nemo". (Foto: Divulgação/Disney/Pixar)

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Não se trata de uma provocação, caro leitor. Desde que assisti a Procurando Nemo pela primeira vez, imediatamente o inseri como fio condutor das minhas aulas de Filosofia para adolescentes, sobretudo quando preciso explicar Aristóteles. Lamentavelmente, há algumas semanas que não abordo a relação entre animações e filosofia. A discussão do aborto, seguida dos ataques terroristas do Hamas a Israel, nos trouxe um certo cansaço e nos distraiu das coisas que realmente permanecem e importam.

Procurando Nemo, produzido pela Pixar em 2003, chegou aos cinemas quando eu havia acabado de ingressar na faculdade de Filosofia. Dirigido por Andrew Stanton, com roteiro coescrito por Bob Peterson e David Reynolds – verdadeiros gênios que nos entregaram obras-primas como Toy Story, WALL-E e Vida de Inseto –, a grande jornada de Marlin marcou profundamente minha vida de pai e professor.

Desde sua estreia, Procurando Nemo foi aclamado pelo público e pela crítica, tornando-se um dos filmes de animação mais bem-sucedidos de todos os tempos, em termos de bilheteria e reconhecimento. Aliás, conquistou o Oscar de Melhor Filme de Animação. Antes da era Netflix, eu possuía uma cópia física do filme, que guardo como relíquia. Guardo carinhosas lembranças de assistir à aventura de Marlin e Dory com minha filha mais velha, hoje com 14 anos. Como o tempo passa, e o desejo de conhecimento e felicidade permanece em nós. Dory não seria um símbolo do que não pode ser esquecido?

Aristóteles defendia que o desejo humano por conhecimento é intrínseco à nossa natureza, assim como a busca pela felicidade. Em Procurando Nemo, esta busca é representada pelo anseio de Nemo em explorar o mundo além de seu recife

Procurando Nemo apresenta Marlin, um peixe-palhaço superprotetor em uma busca desesperada por seu filho, Nemo, após ser capturado por mergulhadores e colocado em um aquário em um consultório dentário em Sydney. Apenas uma humana é retratada. Curioso é que traz certa expressão de crueldade. Não acho que os roteiristas tratem isso como um mero detalhe. Em Toy Story também há uma criança que se diverte com a destruição dos brinquedos. Sem ideologias fajutas e ingênuas a respeito da natureza humana, eles são atentos ao potencial de perversidade do coração humano.

Na jornada, Marlin é acompanhado por Dory, uma peixe-cirurgião-azul com perda de memória recente. Esta personagem, aliás, ganhou seu próprio filme em 2016. Juntos, Marlin e Dory enfrentam desafios e criaturas marítimas. Paralelamente, Nemo, em cativeiro, faz amizades com outros peixes no aquário e, juntos, planejam uma fuga. O filme é tão genial que faz Nemo passar por um ritual de transição entre duas fases da vida.

Tudo inicia com o medo de Marlin e o desejo de Nemo de desvendar os mistérios do oceano. Essas não são meras metáforas. O cerne da filosofia de Aristóteles reside nesta comunhão entre metafísica e ética. O filósofo defendia que o desejo humano por conhecimento é intrínseco à nossa natureza, assim como a busca pela felicidade – no sentido pleno de uma vida pautada pela virtude. No filme, esta busca é representada pelo anseio de Nemo em explorar o mundo além de seu recife, apesar das advertências e restrições de um pai superprotetor.

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Há uma cena simbólica sobre o valor do conhecimento e da vida bem vivida. Ela aparece simbolizada na questão sobre a idade da tartaruga marinha, representada por Crush. Em busca de Nemo, Marlin questiona Crush sobre sua idade, após se surpreender com sua habilidade em surfar as correntes. Era uma curiosidade compartilhada com Nemo, e o vínculo dessa cumplicidade.

Cada obstáculo que Marlin e Nemo superam e cada personagem que encontram são etapas na busca pelo autoconhecimento e pela vida virtuosa. Para Marlin, trata-se de enfrentar os perigos do oceano; para Nemo, os desafios de escapar do aquário. Pode soar clichê, mas essa narrativa evidencia um dilema humano universal. Aristóteles via virtude na moderação, chamando-a de “justa medida” entre excesso e carência.

Em Procurando Nemo, a superproteção de Marlin é uma representação do medo que frequentemente impede a humanidade de buscar o conhecimento genuíno. No início, sua atitude em relação a Nemo é motivada pela fraqueza de seu amor pelo filho. Pais protegem por medo. O filme enfatiza a importância de encontrar um equilíbrio aí, entre proteger quem amamos e permitir que explorem e aprendam por si mesmos. Do ponto de vista filosófico e demasiadamente humano, do que mais precisamos para viver uma vida digna a não ser a coragem de comungarmos a ousadia do conhecimento?

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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