Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo| Foto:

Em um evento promovido pelo PT em 29 de maio de 2017, “Estado de Direito ou Estado de Exceção”, a deputada petista Benedita da Silva discursou: “Quem sabe faz a hora e faz a luta. A gente sabe disso. E na minha Bíblia está escrito ‘que sem derramamento de sangue não haverá redenção’. Com a luta e vamos à luta com quaisquer que sejam as nossas armas”. Não se trata de um passado distante e menos ainda de metáforas. Nessas eleições, o PT instaurou a política do vale-tudo.

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O tipo de frase proferida por Benedita — “quem sabe faz a hora e a luta” — tem finalidade laudatória: exaltar a vivência de missão de simpatizantes do PT ali reunidos para combater o que eles chamam, inspirados no filósofo brasileiro Paulo Arantes, de “estado de exceção”. Para o intelectual orgânico de esquerda, que atua para além do engajamento em Twitter e Facebook, as democracias liberais vivem em um estado de exceção permanente. O Brasil, sobretudo depois do impeachment da Dilma, não escapou de seu ocaso político. A insistente narrativa do “golpe” consolida a percepção de uma perda devastadora. Há muita coisa em jogo.

Os intelectuais orgânicos ligados ao PT adotaram o tema do “estado de exceção” a partir da leitura que o filósofo italiano Giorgio Agamben deu aos filósofos Carl Schmitt e Walter Benjamin. Decisionismo, política como luta do amigo-inimigo, capitalismo como religião… impossível resumir em poucas linhas. Então, aqui vale um parêntese para oferecer uma ideia. Embora não mais petista, Paulo Arantes é o mediador dessa teoria do estado de exceção no Brasil. Em um texto de Marildo Menegat para o prefácio do livro de Arantes O Novo tempo do mundo (Boitempo, 2014), encontramos a “agenda” do renovado intelectual disposto ao que der e vier em um mundo sem expectativas:

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“Ao contrário do intelectual tradicional, assim como o parecerista bem informado das agências de fomento, que se entregam aos temas sérios da moda e almejam a glória da obra aclamada, a matéria reflexiva de Paulo Arantes é antes a crítica de um presente vivido como insuportável. Enquanto invenção de um lugar do debate público, o resultado é muito surpreendente. Dele emerge um tipo de intelectual negativo que combina excepcionalmente bem o momento destrutivo — ademais posto em curso pela própria estrutura social, portanto parte constitutiva da realidade, do qual ele apenas aproveita o influxo — com o momento criador que deve retirar seus recursos de uma disposição, esta também negadora, que espera o grande dia (que pode ser hoje) de iniciar a ação de produzir outras formas de relações sociais”.

Destaco três coisas: “a crítica de um presente vivido como insuportável”, “o intelectual negativo que sabe combinar o momento destrutivo com o momento criador” e o esforço de “retirar seus recursos de uma disposição, também negadora, que espera o grande dia”. Em outras palavras: o intelectual vive a experiência de um mundo insuportável, não há mais expectativas no futuro, pois não há mais futuro. Portanto ele deve destruir e criar. Quando? No grande dia…

Soberania, poder e violência são temas que foram calibrados por linguagem robusta e indecifrável, e que podem ser — como diz Paulo Arantes — encontradas lá no subsolo da vida intelectual da esquerda desiludida com o desfecho da história. Com a derrocada das utopias, o grande dia se tornou uma expectativa urgente no aqui e agora. O paradigma do ato político é o da emergência e da intervenção imediata. Não começa a fazer mais sentido a fala de José Dirceu sobre “tomar o poder”? Não é o dinheiro da corrupção o problema, mas o destrutivo e imoderado desejo de poder.

Como diz Paulo Arantes: “O horizonte do mundo encurtou, e seu tempo passou a ser medido pela urgência da intervenção imediata”. No atual estado de exceção, a política institucional acabou. Resumindo tudo isso, é o seguinte: “o estado de exceção tornou-se a regra”. Logo, não há nenhuma saída exceto lutar com todos os meios necessários.

Daqui podemos voltar ao discurso de Benedita da Silva e ao que o PT realmente representa. Ela expressa bem o atual espírito beligerante dessas eleições. Sim, o PT é o maior responsável pelo radicalismo político da atualidade. A máquina petista faz política por outros meios desde quando chegou ao poder. Quando Benedita afirma que “a gente sabe disso”, fala com o objetivo de despertar a consciência dos militantes e enfatizar o delírio coletivo de que só esse grupo, tomado ali por sinceras paixões mobilizadores, representa os eleitos capacitados em conduzir o povo à libertação e o PT ao poder, e está disposto a fazer isso até as últimas consequências. É metodológico. Em entrevista recente, José Dirceu não foi ingênuo. Se o poder corrompe, o PT no poder corrompe absolutamente.

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Atenção para a frase: “E na minha Bíblia está escrito”. Fortalecimento do sentido de missão religiosa corroborado pela palavra do “Livro”. A luta política se dignifica no ato libertador da violência. Os petistas sabem bem o que está em jogo aqui. No estado de exceção, a vida está em jogo. O sacerdócio está em jogo. “Sem o derramamento de sangue não haverá redenção”. Benedita refere-se ao sangue do inimigo e dos militantes que se sacrificam pela causa. É a forma perfeita da violência libertadora. Eles são proficientes na construção de discurso teológico-político. Não adianta a indignação seletiva de certos setores da sociedade preocupados com Bolsonaro e com a ascensão da extrema-direita; o fato é que o PT não quer democracia, apoia ditaduras sanguinárias e ainda fala em nova constituição.

Desse ponto de vista, o sentido de “sangue derramado” não é nem um pouco metafórico, mas o símbolo vivo de uma luta animada num estado de exceção. Eles acreditam na violência não como negação do político, mas como a sua taxativa efetivação para além do caráter institucional. Fernando Haddad pode fazer pose de democrático nos debates e nas campanhas, mas endossa: “Com a luta e vamos à luta com quaisquer que sejam as nossas armas”. Quaisquer meios justificam os nobres fins. Lula havia declarado isso pouco antes de ser preso. Só não ouviu quem fingiu não ouvir. Fernando Haddad pode se passar por bom moço, mas não engana quem não quer ser enganado. Ele é submisso a uma única causa: o PT se perpetuar no poder.