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O atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao comentar a situação e as expectativas da saúde pública brasileira diante da ameaça da Covid-19, escreveu em sua conta no Twitter: “Há um ano ressaltei as escolhas ERRADAS do PT! Hoje o Japão tem hospitais, médicos e enfermeiros para tratar seus doentes. O Brasil tem estádios de futebol, antropólogos e filósofos! Viva Lula e Paulo Freire! Na época, o ‘jornalismo’ padrão marinho me massacrou. E agora?” Bom, e agora...
E agora eu gostaria de lembrar as palavras de Weintraub assim que foi nomeado pra assumir a pasta da Educação no lugar de Vélez Rodríguez: “Sou um técnico. Minha missão é cumprir o que foi escrito no programa de governo de forma serena, tranquila e eficiente, de forma a gerar bem-estar ao cidadão. Esse é o objetivo do Estado, que existe para servir ao cidadão”. Assim, recorro a Álvaro de Campos pra nos ajudar a entender Weintraub: "Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo". O atual ministro da Educação transita entre técnica, petulância e estupidez.
Seu compromisso não é com o cidadão, mas com certa ideologia e, portanto, com o poder. Weintraub é submisso, ideologicamente, às técnicas de Olavo de Carvalho. “Cidadão” e “cumprir de forma serena, tranquila e eficiente” não querem dizer nada. Seu perfil no Twitter é prova viva de que ele, sistematicamente, não respeita cidadãos, porque se submete às técnicas erísticas de Olavo – sem contar, claro, a falta de respeito com a língua portuguesa. A frase de apresentação de seu perfil na rede social é: “Meu Twitter, minhas regras” – como se a um homem público, na verdade, um ministro de Estado, tudo fosse permitido. A lógica de sua técnica é a do poder enquanto privilégio dos amigos e a possível destruição dos inimigos.
O compromisso de Weintraub não é com o cidadão, mas com certa ideologia e, portanto, com o poder. Ele é submisso, ideologicamente, às técnicas de Olavo de Carvalho
Em palestra na Cúpula Conservadora das Américas, em 2018, Weintraub falou para um grupo de militantes de direita que eles deveriam adaptar as teorias de Olavo para vencer os militantes de esquerda. A técnica do técnico ideologicamente comprometido foi recomendar os “xingamentos” – uma marca registrada da atividade filosófica de Olavo de Carvalho. Diz Weintraub: “Quando ele (um suposto interlocutor comunista) chegar para você com o papo ‘nhoim nhoim’, xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz para fazer. E quando você for dialogar, não pode ter premissas racionais”. Enfim, nada a técnica dentro da técnica.
Agora eu gostaria de apresentar os critérios que, segundo Olavo de Carvalho, um presidente deve seguir para a escolha de um ministro de Estado.
Na ocasião, Olavo de Carvalho se referia ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Em uma rede social, Olavo disse que o atual ministro da Saúde (ele usou um xingamento que eu me recuso a colocar aqui) “é o exemplo típico do que acontece quando um governo escolhe seus altos funcionários por puros ‘critérios técnicos’, sem levar em conta a sua fidelidade ideológica. Tudo o que os comunistas mais desejam é que o adversário tente vencê-los fugindo da briga ideológica”. Quanto a isso, Weintraub não precisa se preocupar, pois ele cumpre, além da técnica, os requisitos exigidos por Olavo.
Segundo Olavo de Carvalho, numa lição para causar inveja a Maquiavel, “desde o seu primeiro dia de governo, ou mesmo antes, Bolsonaro deveria usar o seu prestígio para liderar a criação de uma militância popular organizada, disciplina, forte e agressiva – não para 'reivindicar' algo de políticos e juristas corruptos, mas para forçá-los a cumprir a Lei e a fazer a vontade do povo, ou para puni-los caso não o fizessem”. Ou seja: para Olavo de Carvalho, quem julga, condena e executa é a “militância popular organizada, disciplinada, forte e agressiva”. Em outas palavras: nada como suspender o Estado Democrático de Direito para instaurar um tribunal de exceção e fazer cumprir a Lei (qual lei?) e a vontade do povo.
Pincelei esses trechos com o objeto de mostrar que os compromissos técnicos do ministro da Educação não são com a educação e muito menos com o cidadão. Ele está comprometido com a causa sagrada de Olavo de Carvalho, a saber: tomar o poder pela educação numa dinâmica permanente de luta contra inimigos. Quem são os inimigos? Os comunistas. Os leitores de Paulo Freire etc. E quem são os comunistas? Qualquer um que não se submeter à causa sagrada de Olavo de Carvalho.
O olavismo nada mais é do que a doença espiritual do bolsonarismo. Se o governo tem um perfil ideológico, é aquilo que sai da cabeça doentia de Olavo de Carvalho. Uma visão subversiva da religião política que fez do presidente Jair Bolsonaro, como disse um ilustre aluno de Olavo, “sinal de misericórdia divina”, um salvador da nação.
O olavismo nada mais é do que a doença espiritual do bolsonarismo
Por isso é importante recorrer a Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo quando define “ralé” não como uma classe, mas como um grupo, movido pelo ódio às instituições republicanas, em busca de um grande líder: “A ralé é fundamentalmente um grupo no qual são representados resíduos de todas as classes. É isso que torna tão fácil confundir a ralé com o povo, o qual também compreende todas as camadas sociais. Enquanto o povo, em todas as grandes revoluções, luta por um sistema realmente representativo, a ralé brada sempre pelo ‘homem forte’, pelo ‘grande líder’. Porque a ralé odeia a sociedade da qual é excluída, e odeia o Parlamento onde não é representada”.
De formação humanística precária, Weintraub despeita a República e brada pelo seu homem forte e grande líder. Como um técnico dentro da técnica, sua visão de mundo é limitadíssima. Não à toa ele acredita que o dinheiro público gasto com formação humanística – como Filosofia e Antropologia, por exemplo – levou a sociedade ao colapso material e ao problema de saúde pública. Como ideólogo, condena os responsáveis: os comunistas, a ideologia nas universidades e blablablá. Puro rancor do tolo. Sua ideia fixa e estúpida a respeito das humanidades nasce do mais baixo nível que alguém pode ter acerca da formação intelectual e espiritual de uma cultura. Para usar a expressão de Hannah Arendt, é a ralé no poder.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos